sexta-feira, 31 de março de 2017

Apesar de críticas, floresta sob concessão é melhor que floresta devastada

Por Vandré Fonseca, para o InfoAmazônia
Texto originalmente publicado no Blog do Infoamazonia
A Floresta Nacional de Tapajós do alto, que é uma das mais antigas do país com plano de manejo. Foto: Flávio Forner/InfoAmazonia
A Floresta Nacional de Tapajós do alto, que é uma das mais antigas do país com plano de manejo.
Foto: Flávio Forner/InfoAmazonia



Cerca de 200 mil metros cúbicos de madeira devem ser produzidos este ano em florestas públicas concedidas pelo governo federal na Amazônia – aproximadamente 2% do total produzido na região, conforme o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Apresentado como alternativa sustentável, o regime de concessões prevê que daqui 30 anos, quando máquinas voltarem às áreas exploradas, a mesma composição de floresta será encontrada. Mas a natureza não obedece às leis determinadas pelo homem. E este tempo já é considerado curto para a recuperação total da área.



O engenheiro florestal Niro Higuchi afirma que estudos mais recentes indicam que este ciclo de 30 anos não é sustentável. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT)  Madeiras da Amazônia, Niro diz que estudos mais recentes já demonstraram que a floresta precisa de mais tempo para se recompor.
"[Em 30 anos] não tem a mínima chance da floresta voltar a ser o que era"


“Experimentalmente, eu diria que o ciclo ideal seria de 40 anos. Mas, para colocar em lei, eu colocaria 50 para não errar”, defende o pesquisador, que cita o caso da Mil Madeireira, empresa que maneja florestas na região de Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus. Por lá, o ciclo previsto pela autorização é de 25 anos. Mas já se sabe, de acordo com Niro, que este tempo é curto e que aumentar para 30 anos não é suficiente. “Não tem a mínima chance da floresta voltar a ser o que era”, afirma.


O engenheiro destaca que o ciclo atual não permite à floresta recuperar o mesmo conjunto de árvores retiradas. Um dos motivos é a variedade de espécies, cada uma crescendo em um ritmo diferente. Niro lembra que o ciclo de 30 anos foi definido com base no conhecimento que se tinha na época da elaboração da Lei de Gestão de Florestas Públicas, há mais de uma década. Os dados eram obtidos em experimentos de dez anos ou pouco mais. “Tanto que a primeira regulamentação, não tinha ciclo de corte, para a gente aprender”, recorda. “Mas, logo em seguida, começaram a colocar, a fazer uma receita de bolo”.


Em defesa das concessões
Apesar das críticas ao ciclo de corte, o modelo é defendido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), responsável pelas concessões e acompanhamento das empresas escolhidas para explorar madeira em florestas nacionais. As concessões de florestas públicas são vistas como um caminho econômico e também de proteção da floresta pois, além de permitir o uso “sustentável”, cria um sistema de proteção para as áreas concedidas, com a presença da empresa concessionária.



“Durante a discussão que envolveu a construção da lei, houve uma participação muito intensa da sociedade, como um todo, como organizações não governamentais, e uma série de salvaguardas foram colocadas na lei justamente para garantir que houvesse a implantação de um modelo diferente do que se tem na exploração das florestas privadas”, afirma o gerente de Monitoramento do SFB, José Humberto Chaves. “A FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] reconhece o manejo florestal sustentável como uma atividade de muito baixo impacto e uma atividade que cria uma alternativa de uso da floresta”, completa.


José admite que ocorrem danos, mas afirma que são controlados. Cerca de 8% da cobertura vegetal é afetada pela atividade na área explorada. Nesta conta, entram a média de cinco árvores retiradas por hectare e também o impacto pela abertura de estradas e trilhas de arraste, onde o trator circula para retirar as toras. Segundo o gerente do SFB, o monitoramento de áreas sob concessão indica que a vegetação de sub bosque alterada se recupera em dois ou três anos.


O SFB tem sido conservador na permissão de volumes a serem explorados. A regra libera a exploração de 25 metros cúbicos por hectare, porém as autorizações em média permitem a retirada de apenas 16 metros cúbicos por hectare. A razão disto é a diversidade de espécies encontradas na floresta, que nem sempre coincide com a necessidade do mercado. Árvores que poderiam ser retiradas, mas não teriam comprador, são poupadas.


Esta redução do volume autorizado ajuda a combater fraudes, avalia José Humberto Chaves. Em áreas particulares, segundo o gerente do SFB, nem todo o volume autorizado é realmente cortado. Isso ocorre porque nem sempre as árvores que interessam à madeireira na área atingem o volume autorizado para o corte. A fraude, já identificada, consiste em usar as licenças que sobram para esquentar madeira retirada de forma ilegal de outras áreas. Elas são transportadas e vendidas como se fossem oriundas de florestas concedidas.


Confira abaixo o desmatamento em áreas protegidas da Amazônia

Processo de concessão


Antes de ser dada a permissão para que máquinas sejam ligadas na floresta, o SFB elabora um Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF), onde estão as florestas públicas passíveis de serem exploradas pelas madeireiras e que vai conduzir o processo de licitação de áreas no ano seguinte. A maioria delas está na Amazônia, que concentra 90% dos 310 milhões de hectares de florestas públicas brasileira.



O PAOF deste ano foi publicado em julho de 2016 e elegeu 1,81 milhões de hectares de florestas [.pdf, 3,5MB] em quatro estados, Amazonas, Pará, Amapá e Rondônia. Além de sete Florestas Nacionais (Flona), há a possibilidade de concessão de áreas públicas ainda não destinadas pelo governo federal no Sul do Amazonas.


O plano é submetido a consultas públicas e de outros órgãos, antes de aprovado. A partir dele, são realizados estudos para a elaboração do edital de concessão. José destaca que estes estudos são bastante detalhados na análise de ocupação da área, mesmo que a exploração só seja permitida em áreas previstas no Plano de Manejo da Unidade da Floresta Nacional.


"A gente realiza um diagnóstico de ocupação e vai na área para identificar a presença de comunidade locais"

“A gente realiza um diagnóstico de ocupação e vai na área para identificar a presença de comunidade locais, mesmo que elas estejam fora da zona de uso comunitário”, conta o gerente de Monitoramento do SFB. “Obrigatoriamente temos que excluir essas áreas ocupadas pelas comunidades do processo de concessão. A gente tem esses mecanismos de exclusão dessas áreas do contrato e para compensar o concessionário com outras áreas ou fazer um reequilíbrio financeiro no contrato de concessão”, completa.



A partir daí, então, é elaborada a minuta com a proposta do edital de concessão. Antes de concluir o edital, o documento passa ainda por audiências locais, com participação da comunidade, ICMBio e Conselho Consultivo da Flona. Entre as informações levadas para as reuniões, estão as áreas a serem concedidas, previsão de produção, geração de empregos, arrecadação prevista.



E mesmo depois de concedida a área, de acordo com José, existe um controle da atividade, feito por diversos órgãos.



 “Além do serviço florestal e do monitoramento feito pelo Ibama, que é o órgão que autoriza e licencia o Plano de Manejo, a gente tem uma presença constante do ICMBio, que está verificando se o concessionário está obedecendo o Plano de Manejo da Unidade de Conservação, e o monitoramento do contratado do Serviço Florestal”, explica.



Mas nem sempre este processo é livre de controvérsias. No Pará, o Ministério Público Federal trava uma disputa na Justiça contra impactos reclamados por ribeirinhos e quilombolas em uma floresta sob concessão.


Potencial de crescimento
O Serviço Florestal Brasileiro estima que as florestas públicas concedidas na Amazônia podem produzir até 4,5 milhões de metros cúbicos de madeira em tora. Isto significa condições de oferecer cerca de 40% do produto hoje destinado ao mercado, com a vantagem de reduzir impactos sobre a floresta e a garantia de suprimento. Mas a previsão é que a produção em florestas concedidas chegue no máximo a 700 mil metros cúbicos dentro de dois ou três anos. E isto enfrentando a concorrência do produto mais barato explorado de forma predatória ou às vezes ilegal.



O gerente do SFB destaca que concessionários de áreas públicas têm custos que muitas vezes não precisam ser bancados por outros madeireiros, como de planejamento, investimentos em infraestrutura e compromissos trabalhistas. “A gente espera que o concessionário florestal, em algum momento, seja compensado por isso”, afirma José Humberto Chaves. “Não só pelo pagamento do valor adicional ou garantir mercado para lucrar. Ele tem duas coisas que os outros não têm: garantia de suprimento da madeira e um contrato de 40 anos”.


Comentários (1)


clovis borges ·

 
Como papel aceita tudo, o que se infere esteja contido nas propostas de "manejo sustentável" (não sei porque a adjetivação, pois manejo deveria bastar para definir uma atividade adequada e lícita) certamente não é o que se aplica na prática - em muitos casos, senão a maioria absoluta deles. 



Pelo menos no Sul do Brasil não existem demonstrações de aplicabilidade dessa prática como forma de conservação. Onde estão as áreas manejadas a partir de milhares de licenças emitidas nas últimas décadas? Viraram soja e pinus, independentemente do rigor e preciosismos do que constava nos documentos encaminhados aos órgãos licenciadores.


Além disso deve ser considerado um ato de improbidade administrativa a emissão de licenças ou concessões sem que as estruturas públicas responsáveis tenham a adequada estrutura para acompanhar e fiscalizar o que licenciam.


Isso posto, podemos inferir que o mercado da madeira nativa ainda pressiona o suficiente para ter a aquiescência dos órgãos públicos para manter a retirada "sustentável" de madeira. Uma política antiga e que tem resultados conhecidos pela história recente.



Há de se dar maior estrutura aos órgão ambientais, ou não podem continuar a fazer de conta. E menos fragilidade no que se refere ao atendimento de vontades políticas de grupos setoriais, amarradas em práticas insustentáveis que são vendidas como a grande fórmula mágica - apenas no papel. A carne é fraca. E a madeira idem.

Norte Energia nega-se a prestar contas a comunidades afetadas por Belo Monte



Empresa responsável por hidrelétrica não compareceu à audiência convocada pelo MPF para discutir condições de vida de indígenas e ribeirinhos 

Cerca de 300 pessoas - entre indígenas, ribeirinhos, representantes do governo, setor privado e sociedade civil - lotaram o auditório do centro de Convenções de Altamira (PA), na terça (21/3). O tema da Audiência Pública, convocada pelo Ministério Público Federal (MPF), foi a discussão da garantia das condições de vida na Volta Grande do Xingu, região mais impactada pela instalação da hidrelétrica de Belo Monte e ameaçada com a eventual instalação da mineradora canadense Belo Sun.
Uma cadeira da mesa, no entanto, permaneceu vazia. A Norte Energia, concessionária da usina, não compareceu para prestar esclarecimentos à população.


Ribeirinhos e indígenas denunciaram a ineficácia de medidas de mitigação e compensação de impactos à população da região e a inexistência de outras necessárias (saiba mais).
Cadeira para o representante da Norte Energia permaneceu vazia durante audiência


“A ausência da Norte Energia vai implicar tomadas de decisões que a oneram, sem sua presença. A cadeira permanecerá vaga como um sinal da postura do empreendedor de Belo Monte em relação ao diálogo com as comunidades atingidas”, alertou Thais Santi, procuradora do MPF.


Estiveram presentes representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Fundação Nacional do Índio (Funai), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), defensorias públicas da União e do Estado (DPU e DPE), Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Semas), Prefeitura de Senador José Porfírio e empresa canadense Belo Sun.


Volta Grande em convulsão

 

 

Entre as denúncias feitas no evento, está a ausência de água potável nas comunidades ribeirinhas e as sérias dificuldades na navegabilidade no rio e no reservatório da barragem. Durante 2016, comunidades inteiras ficaram isoladas o ano todo sem comunicação fluvial ou terrestre (leia aqui).


Em fevereiro, um pescador morreu afogado no reservatório por causa da correnteza no lago da usina, fenômeno conhecido como “banzeiro”, ao tentar chegar em Altamira.



Outra reclamação comum tem a ver com o alagamento de roças, portos, galinheiros e até campos de futebol, que a própria Norte Energia instalou em áreas que supostamente não deveriam ser alagadas.


A empresa divulgou que, neste mês, a vazão da água não superaria o máximo de 4 mil m3/segundo e colocou uma estaca apontando até onde o rio subiria nos principais portos da região. A informação estava errada - a vazão superou 23 mil m3/segundo - o que causou uma série de danos. As roças e até o túmulo de um parente dos índios Juruna da aldeia Mïratu foram alagados, por exemplo.


“O prejuízo tem sido deixado nas costas da população mais vulnerável. São fundamentais a responsabilização de quem causou esses danos e a indenização das pessoas que perderam as roças e não têm o que colher”, alerta a advogada do ISA Biviany Rojas.


Para a Procuradora da República Thais Santi, é evidente que os mecanismos e espaços de comunicação previstos no licenciamento da hidrelétrica não estão funcionando. O Ibama reconheceu a necessidade urgente de aprimoramento desses espaços e comprometeu-se com sua avaliação.


Monitoramento independente

 

 

Os Juruna da aldeia Mïratu fizeram uma apresentação do monitoramento independente de segurança alimentar e atividade pesqueira na Terra Indígena Paquiçamba. O trabalho foi feito pela Associação Indígena Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu (Aymix), em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e ISA.


O estudo vem sendo realizado entre indígenas e pesquisadores da UFPA por meio da coleta de dados mensais sobre as dinâmicas da pesca e o consumo alimentar das famílias da aldeia. Esses dados são importantes para desenhar a linha base que permite comparar a situação antes do barramento com as transformações que estão acontecendo. “O objetivo do monitoramento é mostrar com dados reais que nós estamos sendo impactados. Queremos denunciar isso não só nas nossas falas, mas nos dados colhidos todos os dias por nós mesmos”, conta Bel Juruna (saiba mais no Atlas da Pesca).
Gráfico mostra redução do consumo de peixes na dieta dos indigenas



O monitoramento independente é realizado de forma ininterrupta, desde setembro de 2013. O levantamento identificou mudanças no aumento de consumo de alimentos provenientes da cidade, a perda de importantes áreas de pesca, diminuição do consumo de peixe e da pesca ornamental. Isso representa uma progressiva perda de soberania alimentar da comunidade Juruna.


Os indígenas solicitaram que esse monitoramento independente seja levado em consideração pelo Ibama, órgão licenciador da hidrelétrica, para contrapor os relatórios da Norte Energia. O monitoramento da empresa foi interrompido durante 8 meses antes do barramento do rio, comprometendo a consistência da linha base utilizada por ela para identificar impactos.


Frederico Amaral, do Ibama, admitiu que o monitoramento da empresa precisa ser aprimorado e afirmou que vai considerar os dados colhidos pelos Juruna como subsídios para complementar suas análises. “Esses dados técnicos são muito importantes para gente”, disse.


“Antes a gente tinha água saudável pra tomar”

 

 

Os ribeirinhos que vivem nas comunidades Ressaca e Ilha da Fazenda denunciaram o abandono dos postos de saúde, das escolas e dos sistemas de abastecimento e sanitário. A construção e manutenção dessas instalações seriam de responsabilidade da Norte Energia e da prefeitura de Senador José Porfírio.


Dona Dêca Sampaio, técnica de enfermagem que mora há 34 anos na Ilha da Fazenda, fez uma apresentação emocionada com imagens do posto de saúde em deterioração e da bomba de água abandonada. “Estamos jogados pras pragas”, repetiu mais de uma vez na audiência. Ainda que tenham sido instalados os poços para coleta de água, a falta de manutenção impossibilita seu uso.



“Antes a gente tinha água saudável pra tomar. Fomos criados bebendo água do rio. Agora, a água está podre, não podemos tomar banho. As pessoas estão com micose e as crianças com as barrigas inchadas de verme”, conta.


As comunidades ribeirinhas mais isoladas, como a do Itatá, nem sequer tiveram os poços perfurados. Um dos encaminhamentos do evento foi que seja feita uma vistoria para atestar as condições e a instalação dos equipamentos necessários para garantir o acesso à água de qualidade.


Macas enferrujadas no posto de saúde da Ilha da Fazenda
“Não é possível que uma comunidade impactada como a Ilha da Fazenda não tenha uma escola e um posto de saúde, um transporte escolar digno. O que falta para o Ibama multar a Norte Energia pelo abandono total da Volta Grande do Xingu?”, questionou Francisco de Assis Nascimento, advogado do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).


Funai reitera ineficácia das medidas

 

Em carta conjunta, os índios Arara e Juruna reivindicaram o cumprimento imediato de antigas pendências relacionadas à proteção e vigilância de suas terras, navegação, alternativas produtivas e efetivação de espaços de acompanhamento e controle social do empreendimento. Cobraram ainda que governo do Estado realize um processo de consulta livre, prévia e informada sobre a mineradora Belo Sun. [Leia na íntegra]


A Coordenadora de Licenciamento Ambiental da Funai, Janete Carvalho, reiterou as conclusões de parecer técnico do órgão no sentido de reconhecer a gravidade dos impactos sofridos pelos indígenas e a ineficácia das medidas de mitigação até aqui implementadas.


”A Volta Grande do Xingu é tema ultra-sensível para a Funai. A licença de Belo Monte estabeleceu que o modo de vida dos Juruna e dos Arara fosse assegurado. Os impactos previstos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não só se confirmaram, como também foram potencializados pela ineficácia das medidas de mitigação. Precisa ser revista a matriz de impactos e o Plano Básico Ambiental - Componente Indígena (PBA-CI)”, comentou.


Um ponto de coincidência entre os indígenas e a Funai foi a insuficiência dos espaços de participação desenhados no PBA. Para os indígenas, esses espaços são uma “verdadeira perda de tempo” onde nada é resolvido, sem interlocutores adequados para encaminhar soluções ou responder perguntas técnicas. Segundo a própria Funai, "o Comitê da Vazão Reduzida, condicionante estabelecida pela Funai, não está funcionando”.


Veja na íntegra os encaminhamentos da Audiencia Pública


"Para quem a Belo Sun está mentindo?"

 

Previsto como a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil hoje, o projeto “Volta Grande”, da mineradora canadense Belo Sun, tem a pretensão de se instalar a 9,5 km de distância da TI Paquiçamba, a 13,7 km da TI Arara da Volta Grande do Xingu e também próxima à TI Ituna-Itatá, habitada por indígenas isolados. O local do projeto coincide com a Área Diretamente Afetada (ADA) por Belo Monte. A mina encontra-se próxima da Vila da Ressaca, comunidade de 300 famílias que depende da roça, pesca e do garimpo artesanal para sobreviver.


A Semas concedeu a Licença de Instalação (LI), no início de fevereiro, atropelando recomendações que exigiam a análise dos impactos cumulativos dos dois empreendimentos e um parecer da Funai que exigia a revisão dos estudos sobre o tema indígena. No final do mês, no entanto, a DPE conseguiu suspender a LI alegando de que a empresa comprou terras públicas e violou os direitos das populações ribeirinhas da região (saiba mais).


Representantes da Belo Sun estiveram na audiência e ouviram as reivindicações das comunidades, que temem os impactos da mineradora. Já no final do evento e sem inscrição prévia, os engenheiros da empresa fizeram uma curta apresentação com dados, argumentando que o empreendimento não vai causar grande impacto na Volta Grande.


Humberto Alcântara Ferreira Lima, perito do MPF, questionou a empresa sobre o real tamanho do empreendimento. Ele afirmou que existe uma diferença significativa nas informações sobre os montantes de minério a ser explorado pela Belo Sun. Segundo o perito, o EIA de 2012 indicava que 37,7 milhões de toneladas de minério de ouro seriam extraídos ao longo de 11 anos. Em agosto de 2013, no entanto, o site da empresa informava que o projeto iria minerar 88,1 milhões de toneladas de minério de ouro. Já em fevereiro de 2017, o site informa a previsão de 116 milhões de toneladas de minério, ao longo de 17 anos.


"Qual a dimensão real do projeto Volta Grande de mineração de ouro da Belo Sun? Se aquela informada às instituições públicas brasileiras ou a informada aos acionistas da empresa, mais de três vezes maior? Para quem estão mentindo, para os investidores ou para o licenciador?", questionou.



Os representantes da Funai reiteraram que não reconhecem os estudos apresentados pela empresa e exigiram a realização de novas análises - respeitando a determinação de consulta prévia, livre e informada da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalha (OIT), da qual o Brasil é signatário. “A gente gostaria que fosse feita a consulta prévia. Eu nasci e me criei naquela região. Nós não pedimos empreendimento nenhum e agora tem os dois maiores empreendimentos do Brasil lá. E nós sem garantia de nada”, disse Giliarde Juruna, cacique da aldeia Mïratu.



Janete Carvalho lembrou do que aconteceu com o rompimento da barragem do Fundão, na cidade de Mariana (MG), fazendo coro a preocupação dos indígenas e ribeirinhos frente a um eventual acidente. “A Terra Indígena mais próxima da barragem da Samarco fica a mais de 300 km e até hoje o povo indígena Krenak não tem água potável suficiente para viver. Qualquer acidente em Belo Sun vai criar uma situação de etnocídio e o risco é inaceitável”, alertou.


A mina tem o estudo de viabilidade ambiental assinado pelo mesmo engenheiro indiciado por homicídio pelo rompimento da barragem de Mariana. Carvalho informou que o presidente da Funai assumiu o compromisso de entrar com uma ação contra esse licenciamento ambiental para garantir que o direito dos povos indígenas seja respeitado.


O MPF cobrou da Semas esclarecimentos sobre o risco das explosões e um plano de vida para Volta Grande do Xingu. A procuradora Thais Santi fez um apelo para que o Ibama seja convidado a se manifestar no processo de licenciamento de Belo Sun, diante da sinergia evidente de impactos entre os empreendimentos. O Secretário de Meio Ambiente do Pará, Luiz Fernandes, afirmou que já chamou o Ibama para participar e se comprometeu a reiterar o convite para que o Ibama integre o licenciamento.


"É claro que não há espaço para outro empreendimento na região. É impensável implantar Belo Sun sem estarmos todos cientes da real extensão e magnitude dos impactos de Belo Monte", afirmou Biviany Rojas, do ISA.

Amazonia: ‘Ilhas de floresta num mar de degradação’



Três especialistas explicam os perigos e consequências da redução e extinção de áreas protegidas na Amazônia 

Crises hídricas mais frequentes e intensas, extinção de animais e plantas, perdas econômicas, maior propagação de doenças, aumento do aquecimento global. Estas seriam apenas algumas das consequências da redução de áreas protegidas na Amazônia. O ISA entrevistou três grandes especialistas no tema para entender melhor quais seriam os impactos de termos "ilhas de floresta num mar de degradação", como aponta o cenário de diminuição e extinção dessas áreas, e qual a importância das Unidades de Conservação (UCs) para o bioma e todo o país.


A bancada do Amazonas no Congresso encabeça um movimento junto ao governo federal para reduzir um milhão de hectares de UCs no sul do Estado. Um levantamento do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA revelou que existem grandes interesses econômicos por trás da proposta (leia mais).


Além do caso do Amazonas – foco das entrevistas aqui publicadas –, outras iniciativas também colocam em risco a proteção da floresta. Um exemplo é a Medida Provisória (MP) 756/2016, enviada pelo governo federal ao Congresso e que tramita no Senado, que visa reduzir a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará (saiba mais).


Outro caso expõe o avanço dessa ameaça: a redução da Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, localizada no Mato Grosso e uma das mais antigas da Amazônia (leia mais).


Confira abaixo os principais trechos das entrevistas.
Nurit Bensusan

Nurit Bensusan, assessora do ISA e pesquisadora em Biodiversidade

ISA - Quais são os efeitos esperados da redução e extinção de UCs no Amazonas e Pará?
Nurit Bensusan - O que fica cada vez mais evidente é que a gente está deixando de ter uma floresta contínua e passando a ter ilhas de floresta. A dinâmica dos fragmentos de floresta é diferente da dinâmica de uma floresta contínua. A Amazônia é uma floresta com diversidade biológica impressionante porque atravessa um contínuo de climas, microclimas, áreas de umidade, paisagens, relevos... A interação dos organismos biológicos com esses ambientes também é diversa.


A expressão "comer pelas bordas" é muito adequada para entender o que acontece com os fragmentos de floresta ou de qualquer ambiente natural. Nas bordas de uma floresta, a dinâmica é outra: tem muito mais luz, menos umidade, algumas espécies crescem mais do que outras por causa dessas condições, o microclima muda. Esse efeito se propaga para dentro do fragmento.


O “efeito de borda”, que existia originalmente só nas bordas da Floresta Amazônica, começa a existir dentro dela.


Essas UCs que estão tendo seus limites reduzidos ou estão sendo “descriadas” vão colaborar para criar mais um fragmento. O fragmento que vai ficar entre a rodovia Transamazônica, a BR-319, a BR-163 e a calha do Rio Negro vai ser separado do resto da floresta. Essas áreas protegidas ajudam a conter o desmatamento que vem do eixo da estrada e também do sul da Amazônia. Você tem ali um conjunto de pressões pelo desmatamento.


ISA - As UCs são realmente efetivas para conter o desmatamento na região?
NB - É interessante isso, porque muita gente fala que as UCs não servem para nada. Quando olhamos para o mapa da Amazônia e do desmatamento, descobrimos que muito áreas que ainda estão íntegras são áreas que são UCs ou Terras Indígenas. As UCs servem, sim, para conter o desmatamento. Não tem nenhuma controvérsia sobre isso porque os números são acachapantes.



ISA - É possível dizer também que podem ocorrer mais episódios de crise hídrica por conta da redução de áreas protegidas na Amazônia?
NB - O regime de chuvas do Sul e do Sudeste depende da Amazônia. Sem a floresta jogando a umidade na atmosfera, ou com a floresta reduzida jogando menos umidade na atmosfera, evidentemente vai chover menos. A agricultura vai ser uma das primeiras prejudicadas pelo desmatamento da Amazônia. As consequências virão, não serão poucas e a nossa própria segurança alimentar vai ficar ameaçada.


ISA – Qual é o efeito da fragmentação sobre as comunidades locais da Amazônia?
NB - Boa parte das populações locais são extrativistas. Uma floresta que preserva uma determinada cobertura florestal, mas tem sua diversidade biológica comprometida pode ser muito menos rica em termos de produtos extrativistas. Para essas comunidades, a degradação pode comprometer não só a qualidade de vida, mas a própria sobrevivência.


ISA – Quais as causas da fragmentação da Floresta Amazônica?
NB - Uma coisa é o desmatamento que vem do sul do país e vai comendo a floresta pela borda. A outra é o desmatamento que acontece no meio da floresta. As estradas são grandes eixos de desmatamento.

 A floresta, que era um contínuo, está se transformando numa série de ilhas. Como o desmatamento continua acontecendo, esses fragmentos vão se distanciando uns dos outros. Você deixa de ter fluxos gênicos entre esses fragmentos. São ilhas de floresta num mar de degradação. Essas ilhas são fatais para a dinâmica das espécies, dos ecossistemas, das paisagens, da biodiversidade.


As UCs, principalmente como vêm sendo planejadas nos últimos anos, têm uma lógica de anti-fragmentação da Amazônia. Elas evitam que os fragmentos fiquem muito distantes uns dos outros, impedindo que o fluxo gênico seja interrompido de forma definitiva. Porque se isso acontecer, aí sim a floresta acaba.


O fluxo gênico é a movimentação dos genes carregados por plantas, animais e micro-organismos de um lugar ao outro. Quando dizemos que a fragmentação da floresta interrompe o fluxo gênico, queremos dizer que, como os organismos não conseguem passar de um fragmento a outro, eles não encontram outros organismos da mesma espécie para trocar seus genes, reproduzir-se.
Jean Paul Metzger

Jean Paul Metzger, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em ecologia de paisagens e conservação

ISA – Qual é o risco para a biodiversidade amazônica de, ao invés de uma floresta contínua, haver um conjunto de fragmentos?
Jean Paul Metzger - Quanto menor o tamanho do fragmento, menor o tamanho da população. Quando você torna a área subdividida em fragmentos pequenos, está impondo tamanhos populacionais cada vez menores, que significam maior susceptibilidade à extinção. Se em determinado fragmento, você tem a redução do tamanho populacional, existe a possibilidade de um fragmento adjacente permitir, através dos fluxos de indivíduos, uma recuperação da população.


Se você tem muito isolamento e uma matriz muito inóspita, isso não é possível. À medida que você vai desmatando, vai criando ambientes de borda entre o fragmento florestal e a matriz de uso humano, essa borda tem alterações microclimáticas e recebe muita alteração da matriz. Esses efeitos reduzem a qualidade do que resta e impactam as populações nativas. Você tem, pela fragmentação, maior acesso do homem a essas áreas nativas, mais caça, mais retirada de madeira, trilhas. É mais um componente que vai reduzir a qualidade dos fragmentos.


A gente sabe que os grandes maciços florestais são as nossas grandes poupanças em termos de manutenção das espécies. Quanto maior o maciço florestal, maior o tamanho da população e mais estável é essa população ao longo do tempo. Se a gente não fizer corredores de matas contínuas protegidas, que vão bloquear a entrada desse arco do desmatamento mais ao norte, a situação da Amazônia vai ficar cada vez pior. Eu entendo esses maciços florestais, estrategicamente alocados em locais onde se tem aumento da pressão antrópica, como capitais para manter o patrimônio biológico na Amazônia.


ISA – Quais são os efeitos da fragmentação florestal sobre a questão climática e a crise hídrica?
JPM - As florestas geram uma série de benefícios para o homem: benefícios de provisão de madeira, de água, de recursos não madeireiros, regulação climática através de ciclos hídricos, da absorção de carbono e outros serviços de regulação.


As florestas também podem ser importantes em termos de regulação de doenças. Trabalhamos aqui [na USP] com a hantavirose. Sabemos que em uma comunidade de pequenos mamíferos, onde se tem algumas espécies que são reservatórios para o hantavírus, uma comunidade mais íntegra vai ter populações de reservatório muito menores. Ou seja, você vai ter um risco de propagação de hantavirose menor se você tiver florestas mais íntegras. Quanto mais você degrada, mais doenças você vai ter. Febre amarela deve funcionar da mesma forma.


A gente tem que pensar na floresta além da sua composição. Tem que pensar em suas funções. Em particular em relação ao clima e à água, porque são mais evidentes, mas pensando em outros processos ligados a doenças, pragas e polinização. Tudo isso gera benefícios econômicos, não apenas benefícios de bem-estar humano. Benefícios econômicos inclusive para o produtor.



ISA – Existe no Brasil algum caso emblemático de redução de habitats e fragmentação florestal?
JPM - A Mata Atlântica é um exemplo histórico de fragmentação e desmatamento que resultou num sistema extremamente depauperado de florestas. Uma área que era extremamente produtiva no café, hoje em dia você não consegue nem ter pecuária extensiva. Mal e mal se consegue tirar algum dinheiro dessas áreas. Temos uma paisagem totalmente transformada e subutilizada porque está completamente degradada.
Ana Cristina Barros

Ana Cristina Barros, diretora de Infraestrutura da ONG The Nature Conservancy (TNC)

ISA – Como as UCs no sul do Amazonas são importantes para a conservação de toda a Amazônia?
Ana Cristina Barros - Elas são muito bem localizadas numa área de explosão do desmatamento ilegal. Assim como as outras UCs têm conseguido barrar a extensão do desmatamento ilegal, esperava-se que essas fizessem a mesma coisa. Elas têm uma riqueza biológica enorme, um papel de barreira do desmatamento.E você tem na área de Flona [Floresta Nacional] um plano, junto com o Serviço Florestal Brasileiro, de ter um distrito florestal naquela região, o que asseguraria, junto com o turismo, potencial de desenvolvimento econômico.


ISA – Essas áreas em volta das rodovias, que não fazem parte das UCs, também foram pensadas no momento de criação das unidades?
ACB - A prioridade é conservar. Essa é a prioridade para a Amazônia. Não é desmatar. A floresta tem carbono, cicla água, tem nosso patrimônio da biodiversidade. Quando vamos decidir o que vai se fazer com isso, você olha o que está acontecendo na região. Essas UCs foram desenhadas não incluindo áreas de ocupação e projetos de estradas. Foi fruto de toda uma negociação. É por isso que foram criadas. Porque para você passar da Casa Civil e o presidente sancionar, os ministérios todos têm que dar o aval. Você tem de negociar de negociar com o estado, com o produtor... Por isso que é difícil. Chega, negocia, está tudo OK, cria. Depois o governo quer mudar o acordo. Essa parte que não é legal. Isso que a gente pode chamar do golpe contra a floresta.


ISA – Em sua visão, o que levou ao projeto de redução das UCs no Amazonas?
ACB - Para mim, a discussão de revisão dessas unidades é um processo muito parecido com a insurgência na discussão do licenciamento. Para mim, revisar essas unidades é parte do mesmo sintoma. É um sintoma de busca por benefício individual, de um pequeno grupo, não associado a como se faz negócio no mundo inteiro.


ISA – Como a redução das UCs pode afetar as pretensões do Brasil de reduzir as emissões de gases de efeito estufa?
ACB - Em negociações em geral, especialmente em negociações internacionais, conta muito a reputação do negociador e do país que ele representa. O Brasil tem, até hoje, uma reputação muito boa pela qualidade de seus técnicos, de seus diplomatas, e pelos resultados que mostrou com o decréscimo do desmatamento. Esse cenário está mudando. Todo mundo entende que essa redução enorme do desmatamento pode ser que flutue lá embaixo um pouco. Agora, sobe 30% [a taxa do desmatamento] e você “descria” UCs? É jogar o nome na lama. É inexplicável o porquê.


ISA - Não parece ter explicação, a não ser interesse econômico...
ACB - Interesse econômico local, pequeno. Não é para trader da soja, não é para os grandes frigoríficos. É uma politicagem chula que não dá para chegar na Presidência. Que isso aconteça no campo, que tenha uma liderança local, um vereador que brigue contra, claro que tem. Agora jogar isso para cima, onde os interesses são outros...


Tem um risco enorme aí que é o precedente. Se fez isso uma vez, vira moda. Você pega um processo que tem páginas e páginas de estudo técnico, é robusto, tem de convencer todos os ministérios, o governo estadual, lideranças, faz audiências públicas, você pega tudo isso e joga fora porque alguém não quer. É essa a situação em que a gente está. E é essa situação que pode se alastrar.

Febre amarela está matando os bugios brasileiros

Por Shreya Dasgupta*
*Matéria originalmente publicada no site de notícias Mongabay. Tradução por Duda Menegassi
A febre amarela tem dizimado populações de bugios no Brasil. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga
A febre amarela tem dizimado populações de bugios no Brasil. 
Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga

Macacos bugios-marrons são extremamente susceptíveis à febre amarela e um surto pode causar 
extinções locais.

Estima-se que centenas de bugios marrons morreram na RPPN-FMA em razão da febre amarela.

Felizmente, os muriquis, espécie criticamente ameaçada de extinção (também encontrada 
na reserva) parecem ser menos susceptíveis à febre amarela do que os bugios.
A mortal febre amarela - uma doença infecciosa causada por um vírus carregado em mosquitos - se espalhou rapidamente pelo Brasil, destruindo populações de bugios-marrons (Alouatta guariba). Acredita-se que milhares de macacos morreram nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, no Brasil, em decorrência da doença.

https://youtu.be/esYsS3S-i9w

Veja o link

Uma das áreas mais afetadas é a Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciana Miguel Abdala (RPPN-FMA), protegida no âmbito federal e localizada em Caratinga, Minas Gerais. Uma vez lar de centenas de macacos bugios, a floresta não reverbera mais o som dos rugidos guturais do animal.
Karen Strier, professora de antropologia da Universidade de Wisconsin-Madison e uma cientista conservacionista associada ao Global Wildlife Conservation, estuda os macacos da RPPN-FMA desde 1983. Quando ela retornou à reserva em janeiro de 2017, ela descobriu que os bugios haviam desaparecido de grandes partes da floresta.


“Aparentemente essa escassez de macacos bugios aconteceu de forma muito rápida, porque alguns grupos costumam frequentar partes da floresta que normalmente nos permitem vê-los enquanto dirigimos a estrada principal que leva até a reserva. Dessa vez os dois quilômetros da estrada até a reserva e o centro de pesquisa estavam silenciosos” disse Strier por email. “Nós havíamos escutado sobre o surto de febre amarela, então estávamos prestando atenção ao menor sinal, ansiosos. Mas eu acho que é justo dizer que nenhum de nós estava realmente preparado para o silêncio que encontramos”.

Centenas de bugios-marrons foram mortos pelo vírus da febre amarela. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga
Centenas de bugios-marrons foram mortos pelo vírus da febre amarela. 

Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga


Os bugios marrons são extremamente susceptíveis à febre amarela de acordo com os pesquisadores. Um surto pode inclusive provocar extinções locais, especialmente se as populações de macacos sobreviventes foram muito pequenas para se recuperar. Em 2008, por exemplo, um surto de febre amarela matou quase todos os indivíduos de uma pequena população de bugios-marrons na Argentina.


A RPPN-FMA pode sofrer um destino parecido. O último censo em 2003 estimou em 500 indivíduos a população de bugios-marrons na floresta. Agora, somente uma pequena fração destes ainda está viva, dizem os pesquisadores. Strier e seus colegas vão fazer uma estimativa mais precisa assim que eles completarem a sua pesquisa, dentro de algumas semanas.


A velocidade com a qual o vírus está se espalhando é surpreendente, disse Sergio Mendes, professor de biologia animal na Universidade Federal do Espírito Santo.


“Eu estou muito surpreso com a velocidade com a qual o surto está avançando pela paisagem e como o vírus pode pular de um caminho da floresta para outro, ainda que eles estejam separados por centenas de metros” falou Mendes. “Também é surpreendente que está se espalhando por uma região geográfica tão vasta”.


Mas os macacos não são os culpados.


“Nós não temos respostas definitivas, mas nós acreditamos que os mosquitos contaminados possam ser carregados de uma floresta para outra através do vento”, explica Mendes. “Outra hipótese diz respeito ao papel dos humanos carregando o vírus entre florestas ainda mais distantes. A maioria dos humanos são assintomáticos para febre amarela, mas podem ter o vírus circulando no seu sangue por alguns dias. Por exemplo, se a pessoa que foi contaminada viaja de uma floresta para outra, ela pode carregar o vírus no seu sangue e, se for mordida por um mosquito da floresta, pode introduzir o vírus em uma nova área. Além disso, nós podemos transportar mosquitos contaminados de uma floresta para outra involuntariamente, dentro de nossos carros e até da nossa bagagem”.

Os muriquis-do-norte parecem ser menos susceptíveis à febre amarela. Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga.
Os muriquis-do-norte parecem ser menos susceptíveis à febre amarela. 
Foto: Carla Possamai/Projeto Muriqui de Caratinga.


“É muito importante que as pessoas entendam que os macacos não são responsáveis pela febre amarela”, adicionou Strier. “Muitos dos meus colegas estão trabalhando duro para garantir que essa mensagem será passada ao público”.


Pesquisadores como Strier e Mendes também estão preocupados com outra espécie de primata da reserva: os mono-carvoeiros ou muriquis-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Classificado como criticamente ameaçado de extinção pela Lista Vermelha da IUCN, o macaco é um dos primatas mais ameaçados do mundo. A RPPN-FMA possui cerca de 340 muriquis-do-norte, equivalente a um terço da população mundial remanescente da espécie.


Felizmente, os muriquis parecem ser menos susceptíveis à febre amarela do que os bugios. E com os bugios marrons desaparecendo da reserva, os muriquis agora ocupam uma floresta isenta de seus principais competidores.


“Nós não sabemos ainda o que isso significa para os muriquis” contou Strier. “Isto pode dar a eles mais oportunidades se significar que há mais comida disponível para eles. Ou pode representar algo problemático porque a floresta pode sofrer mudanças com a ausência de uma das principais espécies dispersoras de sementes. Essas são questões importantes que estamos tentando responder na nossa nova pesquisa”.


O surto atual está sendo considerado como o pior surto do Brasil entre humanos em décadas. Em março, havia registros oficiais de mais de 320 casos de pessoas com febre amarela, incluindo 220 mortes, de acordo com uma matéria do Washington Post. Vários outros casos ainda estão sendo investigados.


“A forma mais efetiva de prevenir mortes humanos por febre amarela é com a vacinação”, adicionou Strier. “Infelizmente, nós não possuímos um jeito de vacinar os primatas não-humanos”.

Tartarugas são atropeladas em praia do Rio Grande do Norte


Por Sabrina Rodrigues
Filhote é morto tentando chegar ao mar. Foto: Arquivo da AMJUS/José Carlos.
Filhote é morto tentando chegar ao mar. Foto: Arquivo da AMJUS/José Carlos.

Na terça-feira (28), 64 filhotes de tartarugas morreram atropeladas ao tentar chegar ao mar, na praia de Tourinhos, em São Miguel Gostoso, no Rio Grande do Norte. A Ong Amjus, que exerce as suas atividades no local, culpa a construção de uma estrada em local inadequado, pois o ninho das tartarugas estava no pé do morro onde a estrada não deveria estar.


De acordo com a Amjus, este ano, já houve mais de dez atropelamentos de ninhos no local. Apesar dos esforços empenhados na tentativa de conscientização para esse fato, os carros continuam circulando em alta velocidade, além dos quadriciclos que atropelam os ninhos dos filhotes de tartarugas.


Ainda segundo a ONG, a estrada na praia, perto da desova das tartarugas, já foi objeto de uma ação civil pública com decisão pela sua retirada exatamente como medida de proteção às tartarugas marinhas, por estar em área de preservação, mas a estrada ainda não foi desativada.
64 filhotes atropelados na praia de Tourinhos, em São Miguel Gostoso. Foto: Arquivo da AMJUS/José Carlos.
64 filhotes foram atropelados na praia de Tourinhos, em São Miguel Gostoso. Foto: Arquivo da AMJUS/José Carlos.

Atropelamento de fauna
O atropelamento da fauna nas estradas brasileiras é fato recorrente. Todos os anos, 450 milhões de animais morrem atropelados nas estradas brasileiras, mais de duas vezes a população humana do Brasil. De roedores a onças-pintadas, de anfíbios a sucuris, não importa o grupo, não importa o tamanho, a fauna brasileira é gravemente afetada.