Parque Nacional da Serra do Cipó. Foto: Divulgação.
Em outubro de 1921, o engenheiro florestal norte-americano Benton
MacKaye apresentou ao mundo uma das ideias mais originais da história
dos esportes de montanha: a trilha de longo curso. Naquele ano, ele
publicou em Nova Iorque o seu projeto de sinalizar um caminho contínuo
na cordilheira dos Apalaches desde o Maine até a Georgia, perfazendo um
total de cerca de 3.600 km de trilhas. Sua ideia encontrou apoio amplo
na comunidade excursionista, que começou a trabalhar voluntariamente na
rota, cujo primeiro trecho ficou pronto em 1923. Em 1937 a trilha já
estava toda sinalizada. O projeto, que hoje atrai cerca de dois milhões
de trilheiros todos os anos, dos quais mais de dois mil percorrem-na de
ponta a ponta, deu tão certo que em 1968 o governo americano criou uma
nova categoria de unidade de conservação em seu SNUC, a National Scenic
Trail, inicialmente pensada sob medida para a Appalachian Trail.
Hoje o Sistema Nacional de Trilhas dos Estados Unidos conta com
trinta trilhas de longo curso que juntas somam mais de 80 mil
quilômetros de caminhos sinalizados e oficialmente protegidos. Do ponto
de vista da conservação, essas trilhas funcionam como conectores de
paisagens, cujo equivalente legal no Brasil é o
corredor ecológico.
Como toda ideia genial, a AT de Ben Mackaye logo ganhou cópias pelo
mundo afora. Hoje há no mundo mais de 200 trilhas de longo curso.
Somente
no Reino Unido elas são 19.
Em outros países ricos, como Austrália, França, Canadá, Espanha e
Alemanha há dezenas delas, mas mesmo em nações menos abastadas como
Armênia,
Eslovênia, Líbano, Chile, Argentina, Panamá, África do Sul, Coreia, Egito, Jordânia, Albânia, Hong Kong e
Dominica existem trilhas de longo curso completamente sinalizadas e em plena operação.
O conceito deu tão certo que também foi levado para o palco
internacional. Na Europa, além da Friendship Trail entre a Polônia e a
República Tcheca e a
trilha Peaks of Balkans que liga Albânia, Montenegro e Kosovo,
há hoje 12 Trilhas Europeias, cada uma com mais de 2.000 km de
distância. Juntas formam uma rede de caminhadas com 55 mil quilômetros,
que tornam possível caminhar desde a Turquia até a Irlanda, ou desde
Portugal até a Turquia, para citar
apenas duas possibilidades.
Expansão transfronteira
Trecho da Appalachian Trail. Foto: Wikipédia.
“Assim, sem acordos ou negociações
diplomáticas, mas somente com a pressão dos usuários de uma trilha,
estabeleceu‑se um dos maiores corredores ecológicos do mundo, que só
funciona porque conta com grande apoio social no campo e cooperação
bilateral, ainda que executada, sobretudo, de maneira informal.”.
A própria Appalachian Trail também já se internacionalizou. Em 1994,
montanhistas canadenses resolveram estendê-la no lado norte da fronteira
estadunidense até o fim da cadeia montanhosa dos Apalaches, em Belle
Isle, na província de Newfoundland. Ao longo da década de 1990,
construíram e interligaram mais 1.200 quilômetros de picadas e caminhos
rurais e aplicaram no lado canadense da trilha os mesmos métodos e
princípios de manejo utilizados nos Estados Unidos. Na prática,
estenderam o grande corredor ecológico a seis novas áreas protegidas no
Canadá.
Hoje, não só pelo valor que tem como rota de migração de
espécies, mas também graças ao seu uso contínuo por montanhistas, que
ajudam a desenvolver a deprimida economia rural que atravessa o trecho
canadense da Appalachian Trail, tem o apoio financeiro e de manejo das
agências provinciais de unidades de conservação do Quebec, New
Brunswick, Prince Edward Island e Newfoundland, bem como do Serviço
Canadense de Parques Nacionais. Assim, sem acordos ou negociações
diplomáticas, mas somente com a pressão dos usuários de uma trilha,
estabeleceu‑se um dos maiores corredores ecológicos do mundo, que só
funciona porque conta com grande apoio social no campo e cooperação
bilateral, ainda que executada, sobretudo, de maneira informal.
Aqui na América do Sul, países como Chile, Peru e Argentina já estão
implementando suas trilhas de longo curso e, mesmo o Brasil cujo
território foi inicialmente habitado por culturas indígenas sedentárias e
nômades e depois desbravado nas longas caminhadas dos bandeirantes,
começa a levantar de seu berço esplêndido.
Até onde eu saiba, os primórdios das trilhas de longo curso em nosso
país remontam a 1996. Naquele ano, quando trabalhava nos Jogos Olímpicos
em Atlanta, tomei conhecimento da existência da Appalachian Trail. O
contato com a ideia logo despertou o óbvio: “porque não fazer uma trilha
semelhante no Brasil?”
De volta, foram colocadas mãos à obra e, como quem não tem
genialidade para inventar cópia, recorreu-se à réplica mais perfeita
possível: uma Appalachian Trail brasileira, correndo de norte a sul pela
Serra do Mar, que é a nossa equivalente das Montanhas Apalaches.
Também, como na Appalachian Trail, aplicou-se a estratégia de começar
pequeno por onde houvesse mais apoio para que esse primeiro trecho, com
identidade e logotipo próprios, pudesse servir como embrião de uma
trilha maior ao longo do litoral brasileiro, servindo como um conector
de áreas núcleos em nossa tão fragmentada Mata Atlântica.
Nesse sentido, o projeto teve início em 1999, com a sinalização de
60 km na Floresta da Tijuca,
cujo traçado já foi pensado para poder ser expandido para todo o
Município do Rio de Janeiro, no que viria a ser a Trilha Transcarioca.
Essa por sua vez, em sua concepção publicada no livro
Trilha Transcarioca, Todos os Passos de um Sonho, foi pensada para ser o primeiro trecho de uma Appalachian Trail brasileira, “
colocada estrategicamente para conectar-se com outros três importantes caminhos. Antes de seu início estão a Trilha do Ouro entre São José do Barreiro e Mambucaba
e a Volta da Ilha Grande, onde se pega uma lancha até o Abraão e a
Trilha Circular da Ilha Grande, de onde também é possível imaginar uma
conexão marítima, dessa vez com a Marambaia. Após o seu final, o
transcarioqueiro pode...tomar uma lancha até o Porto da Estrela. Lá se
inicia a jornada pela trilha mãe do Brasil, a Estrada Real.”
Parque Estadual do Rio Preto. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Em meados de 1998 fui convidado pela prefeitura de Angra dos Reis
para visitar a Ilha Grande para uma consultoria informal ao Projeto de
Sinalização das Trilhas que estava sendo implementado lá. Na ocasião,
dei uma palestra na Vila do Abraão, que resultou em um estimulante
debate sobre a possibilidade de operar a volta da ilha como a primeira
trilha de longo curso estruturada do Brasil. Houve até quem fosse além e
propusesse a ligação ao continente e a
extensão da trilha até Paraty, ligando natureza e história.
No mesmo ano fui contratado pelo SEBRAE para ministrar uma série de
cursos para turmas de aspirantes a Guias de Atrativos Naturais em
diferentes cidades do Estado do Rio de Janeiro. Um dos lugares em que
dei aulas foi Paraty. Lá, ao explicar o conceito de Trilhas de Longo
Curso, fui apresentado à Trilha do Ouro de Paraty e à Volta da Juatinga.
O então Chefe da APA do Cairuçu, Ney Pinto França, também me mostrou as
trilhas do Quilombo do Campinho, todas se entrelaçando e sugerindo uma
trilha de longo curso cada vez maior ao longo da Mata Atlântica
Fluminense. Em Paraty também houve quem me assegurasse que, ao contrário
do senso comum, a ligação colonial do Rio às vilas da baía da Ilha
Grande não era feita só de barco. Também havia uma trilha e valia a pena
recuperá-la. Junto com a Trilha Transcarioca e a Travessia
Petrópolis-Teresópolis, formariam o embrião de nossa Appalachian Trail
tupiniquim.
Voltei para casa estimulado e fui buscar nos livros algo que
comprovasse a existência do caminho terrestre. Vasculhei a Coleção dos
Viajantes; um por um, todos se deslocavam sempre pela Estrada do Real,
do Rio ou de Santos, em direção a Minas Gerais. Descrições da Estrada
Real havia muitas, por diversos caminhos, mas trilha no sentido
norte-sul, nada.
Quando já ia quase desistindo, resolvi consultar
Johann Emanuel Pohl.
Comprara Pohl por conta das ricas descrições de suas andanças na Goiás
oitocentista, que me senti curioso para vivenciar quando morei em
Brasília entre 1994 e 1995, ao tempo em que cursei o Instituto Rio
Branco. Folheei o livro sem grandes pretensões, mas eis que lá estava um
capítulo com o que me interessava: “
Viagem no Território do Rio de Janeiro à Angra dos Reis”.
“Ao que parece, as trilhas de então não eram
melhor que as de hoje “o caminho era extraordinariamente difícil.
Subimos árduos rochedos de setenta centímetros de altura, entre os quais
as chuvas haviam rasgado calhas. Depois vieram massas ásperas
alternadas com cascalho graúdo. Grossos galhos e ramos pendentes
dificultavam mais a travessia. Nesse caminho horrendo os animais não
tinham marcha segura....a trilha era extremamente escarpada e em pouco
tempo se tornou tão perigosa que tivemos que apesar de nossas montarias
para não nos ferirmos nas curvas pedregosas do caminho...”.
Emocionado, devorei as dezenove páginas do relato em que Pohl avisava: “
todos os viajantes costumavam preferir a viagem por mar, que é mais confortável”. Ao que parece, as trilhas de então não eram melhor que as de hoje “
o
caminho era extraordinariamente difícil. Subimos árduos rochedos de
setenta centímetros de altura, entre os quais as chuvas haviam rasgado
calhas. Depois vieram massas ásperas alternadas com cascalho graúdo.
Grossos galhos e ramos pendentes dificultavam mais a travessia. Nesse
caminho horrendo os animais não tinham marcha segura....a trilha era
extremamente escarpada e em pouco tempo se tornou tão perigosa que
tivemos que apesar de nossas montarias para não nos ferirmos nas curvas
pedregosas do caminho...”
Havia trilha e havia história! Então havia esperança de copiar no Brasil também a esplêndida ideia de
Benton MacKaye.
No outro sentido, em 1999 tive o privilégio de acompanhar Raphael
Olivé no desbravamento do trecho da Estrada Real entre o Porto da
Estrela- ou Cais dos Mineiros-, no fundo da baía de Guanabara, e
Petrópolis. Foi uma caminhada penosa, temperada por uma prosa boa em que
o autor belorizontino me expôs seus sonhos de sinalizar a antiga rota
colonial entre o Rio e as Minas e transformá-la em uma espécie de
Caminho de Santiago brasileiro. Mais tarde, Raphael me deu a honra de
escrever o prefácio de seu “
Guia da Estrada Real para Caminhantes” onde ele se firmou como um dos idealistas que lançaram as bases para o bem sucedido projeto Estrada Real,
que tantos turistas atrai no dia de hoje.
Não chega a ser a Estrada Real que gostaríamos: uma trilha de longo
curso servindo também como conector de fauna, aproveitando veredas e
caminhos existentes, reflorestando outros e abrindo mais uns quantos. A
Estrada Real de hoje está sobretudo em estradas de terra e campos
abertos. Apenas 10% dela aproveita trilhas e rotas antigas. Nada,
contudo, que nos impeça de continuar sonhando. Falaremos disso mais
adiante.
Em 2000, logo após implementar as
Trilhas Circulares da Floresta da Tijuca e depois de lançar a ideia da Trilha Transcarioca, fui selecionado pelo governo americano como bolsista do programa
International Visitors
para o tema Parques Nacionais. No âmbito da bolsa, foi-me oferecido um
périplo de 28 dias aos Estados Unidos para visitar locais de minha
escolha. Não pestanejei. Desenhei uma viagem voltada para dois focos:
estudar unidades de conservação urbanas e aprender a planejar,
implementar, manter e administrar trilhas de longo curso. Visitei a
Appalachian Trail, a Tahoe Rim Trail, a San Francisco Bay Trail e a
Pacific Crest Trail. Conversei com gestores, voluntários, provedores de
serviços, usuários e moradores do entorno. Voltei ao Brasil cheio de
gás.
De volta ao começo
Quase não tive tempo de colocar em prática o que aprendi. Fui
exonerado da Chefia do Parque Nacional da Tijuca e voltei para o
Itamaraty, que enviou-me para o Consulado-Geral do Brasil em Sydney. Na
Austrália, nas horas vagas, comecei um aprendizado profissional mais
robusto no tema.
Nos três anos que passei no país caminhei
de ponta a ponta a Great North Walk e a Harbour to Hawksville Trail,
palmilhei vários trechos da Bibbulmun Track, da Cape to Cape, da
Larapinta Trail, da Heysen Trail, da Overland Track, da Fraser Island
Great Walk, da Australian Alps Walking Track e da Tops to Myall Trail.
Mais do que caminhar, interagir com os diversos agentes envolvidos na
construção, manejo e governança dessas trilhas fez uma grande diferença
no conhecimento acumulado.
Parque Natural do Sudeste Alentejano e Costa Vicentina - Portugal. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Conhecimento que parecia destinado a não ser usado nunca. Da
Austrália fui para Nairobi, do Quênia para Portugal e da Lusitânia para
a África do Sul. Nesses 10 anos as trilhas de longo curso foram se
acumulando:
GRR1 e GRR2 em Reunião; GR em Mayotte; Otter, Tsitsikama, Whale, Hoerikwaggo e
Harkerville trails na África do Sul;
GR da Serra da Estrela e Rota Vicentina em Portugal; Turacco Trail no
Zimbábue; Sendero de Chile; Waitukubuli em Dominica; E 1, E 5, E 9,
Via Alpina
e Peaks of Balkans na Europa; Bruce Trail, Pan Am Path e International
Appalachian Trail no Canadá; Florida Trail nos Estados Unidos; Jeju Ollé
na Coreia; West Highland Way na Escócia;
Israel Trail em Israel;
GR 13 na França; Wicklow Way na Irlanda; Taff Trail, Pennine Way e
Hadrian's Wall na Inglaterra e Laugavegur Treck na Islândia; além do
clássico O+W em Torres del Paine e do Monte Roraima.
Quando, em 2010, voltei ao Brasil para assumir a Diretoria de Criação
e Manejo do ICMBio estava bem mais preparado, além de muito motivado. O
que fez a diferença, contudo, foi que, a partir de então, comecei a
conhecer outras pessoas que também tinham o sonho de desenvolver trilhas
de longo curso no Brasil, a começar pela própria equipe que recebi bem
azeitada de Ricardo Soavinsky, um dos maiores defensores do Uso Público
no Brasil. Entre eles destaco especialmente Bernardo Issa, Sonia Kinker,
Fabio França, Paulo Faria, Thiago Beraldo, Mateus Sonego, Luis Neves e
Ernesto Viveiros de Castro, que logo seria removido de Brasília para o
Parque Nacional da Floresta da Tijuca, onde ajudou a implementar a
Trilha Transcarioca.
Em Brasília, esse time concebeu o projeto “Travessias”, cujo objetivo
era implementar trilhas com pelo menos um pernoite no maior número
possível de nossas unidades de conservação. Colocamos a mão na massa.
Com o apoio inestimável de Carla Guaitanelle, então Chefe do Parque, nos
envolvemos pessoalmente na implementação da Travessia das Sete Quedas
na Chapada dos Veadeiros. O projeto foi tão bem sucedido que hoje,
quatro anos depois, a trilha opera praticamente com 100% de sua
capacidade, tendo colaborado, desde sua inauguração, junto com o fim da
obrigatoriedade de contratação de guias, para o aumento da visitação no
Parque em 230%.
Mas não foi só: houve também um grande esforço na busca de parceiros,
treinamento e implementação de novas trilhas. Bastante energia foi
colocada na capacitação e implementação de travessias na Serra do Mar
paranaense, onde o ICMBio administra diversas unidades de conservação.
Com esse objetivo, foram feitas visitas aos Parques Nacionais de
Superagui, Saint-Hilaire/Lange e (depois de minha exoneração) Guaricana e
à APA de Guaraqueçaba, além dos Parques Estaduais da Ilha do Mel, Serra
da Baitaca e Marumbi e às APAs estaduais de Guaratuba e Graciosa.
Também foi inspecionado o Parque Estadual de Acaraí, na Ilha de São
Francisco, em Santa Catarina, para verificar as possibilidades de
conexão com o complexo de áreas protegidas do litoral paranaense.
Entusiastas
Parque Nacional do Guaricana. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
No Paraná, depois de devorar os excelentes livros
Caminhos Coloniais da Serra do Mar e
Caminhos do Sul,
que nos descortinam as estradas coloniais e imperiais da Graciosa e do
Itupeva, cujos traçados praticamente imploram para serem incluídos em um
circuito maior de caminhadas, solicitei ajuda da excelente equipe do
Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange. Contei também com a intermediação, e
com os contatos feitos por Pedro Hauck, montanhista de renome no Brasil
e detentor do maior prêmio do montanhismo brasileiro, o “Mosquetão de
Ouro” outorgado pela Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada.
Pedro é entusiasta de primeira hora da implementação de uma trilha de
longo curso no Paraná. Nos apresentou pessoas e abriu portas.
Uma vez feitas as apresentações, houve cursos de sinalização rústica
com participação do Instituto de Áreas Protegidas do Paraná, do CPM -
Clube Paranaense de Montanhismo e da AMC - Associação de Montanhistas de
Cristo, cujos sócios, sob a batuta de Marcelo Brotto, Vitor Hugo Lau,
Getúlio Vogetta e Daniel Lambert, nos acompanharam nas travessias que
fizemos à Torre do Prata, no Saint Hilaire/Lange e no Parque Nacional do
Guaricana, em busca de alternativas para a implementação de uma trilha
de longo curso.
Mais tarde, o montanhista dublê de caiaqueiro Alexandre Lorenzetto,
vulgo Sassá, e sua companheira Galiana Lindoso, casal com larga
experiência no planejamento do uso público de unidades de conservação e
em elaboração de planos de manejo, começou a mapear as possibilidades de
ligação entre a terra e as ilhas da Baía de Paranaguá, de modo a
desenhar o melhor traçado possível para a nossa Appalachian Trail em
solo paranaense.
Quase ao mesmo tempo, o Chefe do Parque Nacional de Serra dos Órgãos,
Leandro Goulart,
e sua equipe conceberam o Caminho da Serra do Mar, ligando a Baixada
Fluminense até o Parque Estadual dos Três Picos, com possibilidades de
chegar até “Casimiro de Abreu, ou Vitória, vai depender da disposição de
nossos caminhantes… trilhas existem!”, depois de
cruzar a APA estadual de Macaé de Cima.
Com ajuda de Ivan Monteiro, Pheterson Godinho e da afinada equipe de
servidores do PARNASO, o trabalho não tardou a começar e a trilha hoje
já está 100% sinalizada.
Para pensar o tema de forma estruturada e não repetir erros de
outros, em 2012 e novamente em 2013 promovemos o I e II Seminários
Internacionais de Trilhas de Longo Curso, onde tivemos a oportunidade de
conhecer a fundo algumas
experiências sul-africanas e norte-americanas no assunto.
Sinalização de trilhas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Ainda em 2013, por iniciativa de Milton Dines e com apoio da
Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, realizamos a primeira
reunião técnica visando a implementação da Trilha Transmantiqueira,
começando no Parque Estadual dos Campos do Jordão e terminando no Parque
Estadual da Pedra Selada, depois de passar pela APA da Mantiqueira,
pelo Parque Nacional do Itatiaia e
pelo Parque Estadual da Serra do Papagaio.
Nos debates do evento, vislumbrou-se a conexão dessa travessia de 20
dias com o Parque Nacional da Bocaina e, através da Trilha do Ouro, com
Paraty e/ou Mambucaba, Ilha Grande e Trilha Transcarioca, conectando-se
então com o Caminho da Serra do Mar. Aos poucos a Appalachian Trail
brasileira começava a ganhar contorno e rota.
Naquele mesmo ano, liderei uma expedição na recém reaberta travessia
Rebouças x Mauá, no Parque Nacional do Itatiaia, coração da
Transmantiqueira, com o intuito de sensibilizar alguns tomadores de
decisão do setor privado da importância do estabelecimento de trilhas de
longo curso para o fortalecimento do ecoturismo como ferramenta de
conservação no Brasil.
Embora a Transmantiqueira ainda não esteja sinalizada, nem tenha
início e fim definidos de forma unânime, basta consultar o wikiloc para
verificar que ela já existe e é percorrida. Em 2015, o corredor Pablo
Bucarelli completou
397 quilômetros dela em seis dias.
Enquanto escrevo esse histórico, o montanhista gaúcho Tiago de
Pellegrini Korb, Marcos Irajá e Luciana Moro estão no meio de uma
caminhada que cobrirá quase o dobro da distância.
Serão 630 km entre Extrema e Airuoca.
Com tanta gente transmantiqueirando, no final de 2015, com
instrutores da Trilha Transcarioca, a então chefe do Parque Estadual
mineiro da Serra do Papagaio, Clarice Silva, promoveu uma oficina que a
permitiu manejar e sinalizar as trilhas da unidade de conservação com
padrão equivalente ao da
primeira Trilha de Longo Curso do Brasil.
Rafael Teixeira, um dos montanhistas que Clarice alistou para o curso
tampouco perdeu tempo. Levou as técnicas aprendidas à Associação de
Montanhismo e Proteção da Serra da Mantiqueira, que logo tomou a si a
responsabilidade de sinalizar e manejar o
trecho da Transmantiqueira conhecido como Serra Fina.
De volta ao Estado do Rio de Janeiro, de sua residência em Angra dos
Reis, Cesar Américo começou a ligar os pontos e propôs os Caminhos da
Costa Verde, uma sequência de trilhas contínuas, ligando a Trilha
Transcarioca ao Vale do Paraíba, onde se conectariam à Transmantiqueira.
Do pensamento, Cesar foi à ação. Procurou a Trilha Transcarioca para
entender como era feita sua sinalização e governança e logo botou em
prática o projeto de tirar sua ideia do papel, com identidade, logomarca
e governança próprias, incorporando lideranças e conhecimento locais,
como os adquiridos por João Pontes na Ilha Grande.
Nossa Appalachian Trail tupiniquim
“Independente do nome, a cópia da brilhante ideia de Benton MacKaye ainda continua a evoluir.”.
Em 2014, após retornar de uma viagem à África organizada para
integrantes da Trilha Transcarioca pelo Itamaraty em conjunto com o SOS
Mata Atlântica, que incluiu uma visita técnica na Trilha Hoerikwaggo,
Ernesto Castro publicou em ((o))eco o artigo “
Caminho da Serra do Mar, o sonho de uma trilha de 2 mil km”,
em que defende a expansão da nossa Appalachian Trail ao sul, para além
do ponto inicial da Transmantiqueira, chegando até Aparados da Serra.
Mais tarde, em reunião que tive a honra de participar, o nome do projeto
foi mudado para Caminho da Mata Atlântica.
Independente do nome, a cópia da brilhante ideia de Benton MacKaye
ainda continua a evoluir. No ICMBio, com apoio dos chefes das Florestas
Nacionais de Canela e São Francisco de Paula, Antonio Cesar Caetano e
Edenice Souza, o professor universitário Michel Bregolin, especialista
em trilhas de longo curso, defende tirar do papel o antigo projeto da
Rota dos Caminhos dos Campos de Cima da Serra e estender nossa
Appalachian Trail até Canela. Para quem, como eu, pensou em algo que
terminaria na divisa do estado de São Paulo com o Rio de Janeiro, foi
fascinante ouvir essa proposta.
De fato, gostei tanto dela que, acompanhado de Nelson Brugger,
diretor de Meio Ambiente da Confederação Brasileira de Montanhismo e
Escalada, em fins de 2016, fiz a rota Serra Gaúcha x Chuí, passando pelo
Parque Nacional da Lagoa do Peixe e pela Estação Ecológica do Taim.
Pode levar tempo e muito trabalho (a esse propósito, lembremos que os
183 km da Trilha Transcarioca demoraram 20 anos para sair do papel). Se,
entretanto,
levarmos em conta que o trecho Chuí x Cassino,
considerado como a maior praia do mundo, já é operado para trilheiros
em uma expedição totalmente estruturada em que se caminha cerca de 235
km em sete dias, então a ideia de, ao estilo de sua irmã Pacific Crest
Trail, começar nossa Appalachian Trail na fronteira parece mais que uma
boa ideia; Trata-se de um objetivo plenamente alcançável. Mais do que
isso, no contexto da
luta pela criação do Parque Nacional do Albardão,
estender a trilha até lá significa usar o conceito de trilha de longo
curso para apoiar a conservação ao melhor estilo do “conhecer para
conservar”.
Ainda no Sul, os mesmos Thiago Korb, Getúlio Vogetta e demais
montanhistas do Paraná já mapearam mais de 200 km em bordas de canions
ligando Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul, até Urubici, em Santa
Catarina. Nesse sentido, o novo plano de manejo proposto para o Parque
Nacional de São Joaquim já incorpora em seu texto a implementação de
travessias.
Em Aparados, depois de quase quinze anos de uma gestão arisca à
visitação, a nova Chefe do Parque, Clarice Silva, assumiu em março e não
perdeu tempo. Com ajuda do grupo voluntário Somos Todos Parque, já
implantou a nova trilha na borda do Cânion Malacara. Sua intenção para
2018 é ligar os cânions Faxinalzinho- Itaimbezinho - Malacara -
Fortaleza. Trata-se de caminho com 30 km.
Morro da Igreja e Pedra Furada no Parque Nacional de São Joaquim. Foto: Otávio Nogueira/Flickr.
Em Santa Catarina, para além do Parque Nacional de São Joaquim,
descendo a serra em direção ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a
FATMA em gestão compartilhada com a OSCIP Instituto Çarakura, está
planejando e implementando trechos da nossa Appalachian Trail, já
pensando em se conectar como uma Travessia em Floripa. Na Ilha de SC, já
existe um sólido movimento local de sinalização e manejo das trilhas, o
Programa Roteiros do Ambiente (PRA) – Trilhas e Caminhos da Ilha de
Santa Catarina, coordenado pela FLORAM (órgão ambiental municipal) e
realizado em parceria com ONGs locais (Coletivo UC da Ilha, Instituto
Çarakura, IMMA e IEATA).
O mesmo Instituto Çarakura tem se articulado
com o Instituto Parque das Nascentes (IPAN) e outras ONGs e voluntários
locais e com a Chefe do Parque Nacional da Serra do Itajaí, Vivianne
Daufemback, para avançar com a implementação de trilhas e travessias por
lá. O vice-presidente do Instituto Çarakura, Richard Smith, percorreu
integralmente e sinalizou uma parte da Trilha Transcarioca (TT), sendo
voluntário do Movimento Trilha Transcarioca, o que assegura uniformidade
de métodos na implementação de nossa Appalachian Trail.
Está também
desenvolvendo projeto para assegurar a segurança sanitária das trilhas e
travessias em Parques, com banheiros secos e outras tecnologias de
saneamento ecológico. Em Treviso, o casal de membros do MTT Sheila
Zanesco e Cesar de Castro já está movimentando a comunidade local para
levar os métodos e técnicas da Trilha Transcarioca para aquele trecho da
Appalachian Trail brasileira.
Em São Paulo, é necessário resgatar com urgência o belíssimo projeto
de 85 km da Trilha do Continuum, concebido por Anna Carolina Lobo em
2006, mas que até hoje não saiu do papel.
Por fim, também ao norte há quem defenda um Caminho da Mata Atlântica
maior do que o proposto por Ernesto Castro e muito mais extenso do que o
pensado por mim no livro “Trilha Transcarioca: Todos os Passos de Um
Sonho”.
O Chefe do Parque Nacional do Caparaó, Anderson Nascimento,
vislumbra que nossa Appalachian Trail chegue ao seu parque. Pediu ajuda
ao Movimento Trilha Transcarioca para sinalizar as trilhas da unidade.
Ainda em agosto, adotantes de trechos da TT, coordenados por Henrique
Mendes, se deslocarão para lá para se juntar a voluntários locais nessa
tarefa. Mas não fica por aí. Adriano Melo da Conservação Internacional,
Fábio Faraco, Chefe do Parque Nacional do Pau Brasil e Geraldo Pereira,
Chefe do Parque Nacional do Descobrimento, já estão pensando na “Rota do
Descobrimento”, uma trilha de longo curso interligando as unidades de
conservação do sul da Bahia. Quando estiver pronta, vai estar a um pulo
de Caparaó…
Como esclarecido antes, contudo, faz muito tempo que a Appalachian
Trail deixou de ser nossa única fonte de inspiração. Hoje, o objetivo
não é apenas fazer uma trilha ao longo do litoral brasileiro. Queremos
mais. Muito mais. A expectativa agora é costurar as diversas iniciativas
existentes no Brasil para, a exemplo de outros países, estabelecermos
nossa Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso.
Apoio institucional
“Sim queremos que nossas trilhas de longo
curso sejam bonitas e muito prazerosas, mas elas também precisam gerar
emprego e renda no entorno e, sobretudo, funcionar como ferramentas de
conservação”.
Com esse objetivo, no primeiro semestre deste ano o ICMBio promoveu
durante uma semana uma oficina de implementação e manejo de trilhas,
cujo foco era exatamente esse. Entre os alunos (alguns com tanto saber
acumulado que poderiam ser professores) estavam proponentes e
realizadores de diferentes trilhas de longo curso. Havia analistas
ambientais do ICMBio provenientes de todos os biomas nacionais,
servidores do IEF de Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás e
voluntários de todas as partes do Brasil.
Foram escolhidos a dedo para representar os quatro cantos do país e
produzir uma discussão qualificada, em que as nossas trilhas de longo
curso não sejam apenas equipamentos de recreação. Sim queremos que
nossas trilhas de longo curso sejam bonitas e muito prazerosas, mas elas
também precisam gerar emprego e renda no entorno e, sobretudo,
funcionar como ferramentas de conservação. Nesse caso, precisam servir
como corredores funcionais de fauna, impedindo a fragmentação total das
unidades de conservação e permitindo o fluxo de espécies entre elas,
como explanou o Diretor de Áreas Protegidas da pasta, Warwick
Manfrinato, na palestra de encerramento da atividade de treinamento.
Com esse objetivo, o ICMBio integra o Comitê e o Grupo Técnico do
Programa Conectividade de Paisagens- Corredores Ecológicos, criado pelo
Ministério do Meio Ambiente em junho passado e secretariado por
Manfrinato. No âmbito do ICMBio, o desafio da Coordenação-Geral de Uso
Público e Negócios é, a exemplo da Trilha Inca, citada no documento que
propõe a estratégia do Programa, e a Trilha Transcarioca, mencionada por
Manfrinato em entrevista ao ((o))eco, propor, planejar, capacitar os
parceiros, definir os traçados (com ajuda das APPs e Reservas Legais) e
implementar trilhas de longo curso que funcionem
como corredores entre áreas núcleo,
que podem ser unidades de conservação das três esferas de governo,
áreas quilombolas, terras indígenas e áreas militares, entre outras.
Como bem demonstram exemplos de outros países, projetos dessa
envergadura dependem muito menos de dinheiro do que de significativa
participação e apoio local, com governança compartilhada entre
instituições e sociedade civil (organizada ou não) e forte sensação de
pertencimento. Trilhas de longo curso tendem a dar certo quando são
planejadas de baixo para cima, de maneira que os louros e o
reconhecimento de seus sucessos não sejam exclusivos de uma pessoa ou de
um seleto grupo que não tenha conexão com aqueles que manejaram e
demarcaram o caminho com o custo do próprio suor. Em outras palavras,
para nascer e vicejar, Trilhas de Longo Curso precisam ser paridas
naturalmente pelas mãos de muitas parteiras e parteiros cujo corolário
é: nada de cesáreas feitas em hospitais caros e pagas com cheques
gordos. O melhor parto é o caseiro em que a barriga não é de aluguel e o
parteiro é o pai da criança.
“Assim, o caminho tem sido identificar
iniciativas de base local, capacitar com apoio de voluntários de outros
lugares, que já aprenderam a fazer, a exemplo dos membros do Movimento
Trilha Transcarioca, do Somos Todos Parque, do Grupo de Caminhadas de
Brasília, do Programa Roteiros do Ambiente em Florianópolis, do Grupo de
Travessias do Parque do Itajaí, dos Caminhos da Costa Verde, entre
tantos outros, e apoiar a implementação”.
Assim, o caminho tem sido identificar iniciativas de base local,
capacitar com apoio de voluntários de outros lugares, que já aprenderam a
fazer, a exemplo dos membros do Movimento Trilha Transcarioca, do Somos
Todos Parque, do Grupo de Caminhadas de Brasília, do Programa Roteiros
do Ambiente em Florianópolis, do Grupo de Travessias do Parque do
Itajaí, dos Caminhos da Costa Verde, entre tantos outros, e apoiar a
implementação.
Os projetos que já contam com forte energia local, além da nossa Appalachian Trail, são:
(1) a Trilha Transespinhaço, que pode se interligar à Estrada Real,
onde já iniciamos a capacitação e a troca de conhecimentos com alguns
dos proponentes locais do projeto, a exemplo dos analistas do ICMBio
Flávio Cerezo e Edward Elias, respectivamente Chefe e responsável pelo
uso público do Parque Nacional do Cipó, Henri Collet, Plínio Oliveira e
Marcos dos Santos, Diretor de Unidades de Conservação do IEF de Minas e
chefes dos Parques Estaduais da Serra Nova e da Serra do Intendente, bem
como diversos voluntários locais, a exemplo da Presidente da Federação
Mineira de Montanhismo, Giselle Mello.
Nesse projeto, já há vários trechos implementados. Alguns por
voluntários, como, por exemplo, a Travessia Diamantina x Mendanha, que é
parte oficial da Estrada Real, a Travessia Lapinha x Tabuleiro e a
Travessia Alto Palácio x Serra dos Alves,
no Parque Nacional da Serra do Cipó.
No Parque Nacional das Sempre Vivas, em articulação com o Conselho
Consultivo da unidade, o analista ambiental Bruno Vinicius,
está preparando a inauguração de outro trecho,
com 55 km de extensão. Há diversas outras iniciativas locais que, se
bem manejadas e sinalizadas, também podem integrar o projeto com grande
ganho recreativo e ambiental.
(2) A Trilha Missão Cruls (nome provisório), que liga a Chapada dos
Veadeiros a Goiás Velho, integrando o corredor Paraná Pireneus e
passando por Brasília e Pirenópolis. Essa trilha começaria com a
Travessia Sete Quedas, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que o
ICMBio planeja levar até a cidade de Cavalcante.
Entre a Chapada e Brasília há várias opções, que atravessam a APA
Estadual do Pouso Alto. Uma delas, denominada Brasil Central, está sendo
mapeada por Orlando Barros que já desbravou mais de 240 km do seu
traçado. Orlandinho, como é conhecido, mantém no facebook a página
Brasil Ponto a Ponto, dedicada a inventariar trilhas de longo curso pelo
Brasil. A última postagem dava conta de uma caminhada de 80 km na
Chapada das Mesas, no Maranhão.
Outra opção para a Ligação Veadeiros x
DF está sendo mapeada pelo líder do Grupo de Caminhadas de Brasília,
entidade que mobilizou 60 voluntários e 1.600 horas de trabalho para
implementar o circuito de
Caminhadas da Flona de Brasília
junto com o ICMBio. João Carlos Machado já palmilhou todo o trajeto
entre o Parque da Chapada e a Cachoeira dos Couros, em um trajeto super
bonito que tive a alegria de percorrer no início deste ano.
Depois, passaria pelo Distrito Federal, onde o ICMBio tem capacitado servidores do IBRAM e voluntários locais que já
implementaram a Trilha dos Amigos
e as Trilhas do Índio e do Professor, na APA do Planalto Central, e
estão implementando os Caminhos da Flona na Floresta Nacional de
Brasília. Nesta última unidade a trilha mais longa, com 36 km, já foi
pensada para se conectar ao Parque Nacional de Brasília,
pensando na criação futura de um grande corredor.
Trilha para todo lado
APA do Planalto Central. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Da Capital Federal para o sul, a Trilha Missão Cruls poderá juntar esforços com o belíssimo
Caminho de Cora Coralina, executado pelo Governo de Goiás em parceria com o grupo da sociedade civil coordenado por Bismarque Villa Real.
Bismarque vai mais longe. Para ele a Trilha Missão Cruls, pode ir
além e chegar a até a Bahia pela rota descrita por Luiz da Cunha e
Menezes quando veio da Baía de Todos os Santos até Vila Boa, para
assumir o Governo de Goiás, em 1778. Esse caminho poderia ter como áreas
núcleo o Parque Estadual Terra Ronca, o Parque Nacional Grande Sertão
Veredas, a Floresta Nacional Contendas do Sincorá e o Parque Nacional da
Chapada Diamantina, entre outras possibilidades.
Essas três trilhas de longo curso estão pensadas para se
interconectarem e, dessa forma, estimularem a criação de corredores de
fauna entre a Mata Atlântica e o Cerrado.
Além delas, o projeto Travessias do ICMBio também está estimulando,
em coordenação com as equipes locais e respectivos voluntários, a
implementação de trilhas com pernoite em outras unidades do Brasil, como
os Parques Nacionais dos Lençóis Maranhenses, do Pico da Neblina, da Restinga de Jurubatiba, do Viruá, da
Chapada dos Guimarães,
do Mapinguari e da Serra da Canastra, além da Floresta Nacional de
Tapajós e da Reserva Extrativista Chico Mendes. Outro projeto, que está
em estudo pelo Chefe do Parque Nacional do Iguaçu, ao abrigo do programa
da Mata Atlântica do WWF, coordenado por Carol Lobo é o estabelecimento
de uma trilha de longo curso entre as reservas naturais de Itaipu e os
Parques Nacionais do Iguaçu e seu irmão argentino, Iguazú.
Como se vê, a cópia da ideia genial de Ben MacKaye já está assimilada
em nossas terras, O novo não é pensar trilhas de longo curso, mas
planejá-las como ferramenta de conservação, conectando as unidades e
outras áreas núcleo e gerando emprego e renda no processo.
O ICMBio já entendeu isso. Bernardo Issa, Sonia Kinker e Thiago
Beraldo foram os primeiros servidores a buscar capacitação no tema em
universidades estrangeiras. Todos os servidores da Coordenação Geral de
Uso Público e Negócios do ICMBio que trabalham com trilhas já fizeram
cursos nos Estados Unidos. No segmento dos voluntários, a Trilha
Transcarioca talvez por ter sido a primeira trilha de longo curso com
mais de 100 km implementada no Brasil, também já está dando esse passo. A
capacitação se dá sobretudo por meio de viagens onde é feito o estudo
de campo. Por iniciativa da Conservação Internacional, foi realizada uma
viagem de intercâmbio à Rota Vicentina em que participaram Adriano
Melo, Eduardo Cabral e César de Castro. Ivan Amaral e eu mesmo fomos à
Rota em ocasiões anteriores.
Hoje o MTT mantém um acordo de cooperação
com essa trilha de longo curso portuguesa. O coordenador-geral do MTT,
Horácio Ragucci, visitou a Huella Andina; Eduardo Cabral, Ivan Amaral e
eu fomos a Torres del Paine e visitamos o Sendero de Chile; Eduardo
Cabral, Alexandre Pedroso, Ernesto Castro, Patrícia Figueiredo, Celso
Junius e Claudia Magnanini estiveram na Hoerikwaggo Trail; Adilson
Peçanha visitou experiências norueguesas e Beto Mesquita caminhou nos
Senderos de Bogotá, com cuja entidade mantenedora voluntária, Amigos de
la Montaña, estabeleceu um intercâmbio. Por fim, eu mesmo estive na
Bruce Trail, no Canadá, com a qual o MTT assinou um convênio de
irmanação e a convite de quem a Trilha Transcarioca tornou-se a primeira
trilha brasileira a se filiar ao World Trails Network.
Sendero de Chile. Foto: Divulgação.
Mesmo no Brasil tem havido um esforço do MTT para entender o aumento
das caminhadas peregrinas e se há como integrar essas atividades com a
estratégia de implementação de conectores de paisagens. Nesse contexto,
Ivan Amaral e Jeremias Freitas estiveram nas peregrinações de Passos de
Anchieta, no Espírito Santo, Richard Smith percorreu a Estrada Real e
Anderson Ribeiro manteve contatos com o Caminho de Assis.
No campo acadêmico, sob inspiração do Professor da Faculdade de
Geologia da UFRJ Cainho Scioane, os estudantes Jhone Araújo e Tomás
Arona respectivamente dedicaram sua tese e dissertação à Trilha
Transcarioca e seu papel na conservação.
Agora, com a iniciativa dos conectores de paisagem capitaneada pela
Diretoria de Áreas Protegidas do MMA, é chegada a hora do Brasil
trabalhar para que, mais que nossa própria Appalachian Trail, tenhamos
nosso próprio sistema nacional de trilhas. Como elencado antes,
Sociedade Civil e Chefias de Unidades de Conservação das três esferas de
Governo já estão se articulando para começar a tirar nossas trilhas de
longo curso do papel. O quadro legal também já existe, em norma do
próprio SNUC: corredores ecológicos. Falta apenas o reconhecimento legal
do Ministério do Meio Ambiente, a exemplo do que
o Município do Rio fez em relação à Trilha Transcarioca,
com a devida posterior regulamentação que discipline a governança de
cada uma dessas trilhas/corredores e que crie os respectivos mecanismos
de aplicação de recursos para viabilizá-las.
Para ajudar nesse processo, no dia 1
o de agosto passado,
quatro profissionais de diferentes áreas afetas à gestão ambiental das
três esferas de governo e sociedade civil organizada (Federal (ICMBio),
Fiscalização Ambiental (Policiamento Ambiental da PMERJ),
Reflorestamento (Coordenadoria de Recuperação Ambiental da Secretaria
Municipal de Conservação e Meio Ambiente da Prefeitura do Rio de
Janeiro) e Imprensa especializada (oeco.org.br), todos eles também
voluntários da Trilha Transcarioca com larga experiência acumulada em
seu planejamento, implementação, manutenção e governança, se deslocaram
por iniciativa própria e com os custos pagos dos próprios bolsos aos
Estados Unidos, para uma viagem de estudos de 26 dias.
Durante o período, além de participarem de uma experiência vivencial,
caminhando 11 dias na Pacific Crest Trail e dois dias na Tahoe Rim
Trail, terão conversas, assistirão palestras e frequentarão oficinas
sobre o National Trails System dos Estados Unidos, com foco na Pacific
Crest Trail, na Tahoe Rim Trail, na John Muir Trail e na California
Coastal Trail.
John Muir Trail. Foto: Wikipédia.
Os temas a serem estudados incluem conversas, palestras e oficinas
com U.S. Forest Service, o U.S. Parks Service, o Serviço de Parques
Estaduais da Califórnia e as associações de voluntários das trilhas
visitadas sobre temas como governança institucional, governança dos
voluntários, conflitos de usuários (bicicleta, cavalos, caminhadas),
segurança, gestão de acampamentos, lixo e saneamento, geração de emprego
e renda, impactos sobre a biodiversidade (negativos e positivos),
planejamento, implementação e manejo das trilhas em terras privadas,
efetividade das trilhas de longo curso como corredores de fauna entre
outros.
O objetivo é que cada vez tenhamos mais brasileiros capacitados a
implementar Trilhas de Longo Curso no Brasil planejadas como ferramentas
de conservação.
A ideia é fazer uma viagem dessas por ano. Em 2018 tem mais!
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