terça-feira, 8 de agosto de 2017

Lugares maravilhosos para se conhecer

TripAdvisor
Hola, fguimaraes99

10 playas increíblemente hermosas

Una de las mejores playas en la Tierra
Deslumbrame
  

Los lugares de interés más populares del mundo elegidos por los viajeros
Ver los 25

12 de los hoteles más peculiares del mundo
Verlos para creerlo

10 pueblos secretos de Europa que son realmente impresionantes
Miralos

Shhhh… estos lugares increíbles son tesoros escondidos
Obtener los detalles

De parque ecológico a lixão


Brasília (DF) - Fazer com que a legislação e outras normativas ambientais sejam atendidas ainda depende fortemente de fiscalização e de outras ações de “comando e controle”. Afinal, benefícios como da manutenção de áreas verdes são de longo prazo e distribuídos nos territórios. Assim, muitas vezes a população não compreende e não valoriza medidas voltadas a regular o uso do solo, que também ajudam a assegurar fontes de água, espaços de lazer e para manter a vida selvagem.

Desta maneira e diante de realidades orçamentárias e políticas cada vez mais desfavoráveis, cresce o desafio dos órgãos ambientais para atender a demandas concretas da sociedade, como o estabelecimento e manutenção de parques urbanos e também para a conservação da biodiversidade, para a regulação do clima e para a manutenção de outros serviços ambientais.

Quando essas pautas não são priorizadas pelas políticas de governo, colhemos situações como a do Parque Ecológico Bernardo Sayão, no bairro Lago Sul de Brasília (DF), que está se tornando um lixão a céu aberto (foto).

Decretada em 2002, a área deveria proteger mais de 200 hectares de Cerrado, incluindo uma nascente que deságua no Lago Paranoá, próxima fonte de água para a população do Distrito Federal. Todavia, vários pontos em seu entorno e todos os espaços acessíveis por veículos estão crivados de restos de obras e de podas, de eletrodomésticos e móveis e de toda sorte de lixo.

A precária situação não faz mal apenas aos olhos. O novo lixão da capital federal serve de abrigo para mosquitos, ratos e outros transmissores de doenças, aumenta as chances de incêndios e de contaminação do solo, pode ferir pedestres e esportistas e é prova cabal do descaso do "poder público" com uma situação repetidamente denunciada por moradores da região e pela academia e que se tornou alvo de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).

A legislação distrital que trata dos sistemas de áreas protegidas é clara. Parques Ecológicos servem tanto para conservar os ecossistemas quanto para manter espaços voltados ao lazer, recreação e educação ambiental. Todas essas funções estão com os dias contados frente ao abandono do Bernardo Sayão.

Tiro pela culatra, o depósito de lixo, a presença de automóveis em seu interior e outros impactos diretos ao parque cresceram após a interdição da via HI-104 Sul, que ligava a Estrada Parque Contorno (DF-001) à Quadra 27 do Lago Sul por cerca de 600 metros asfaltados, cortando a área protegida.

O trecho foi bloqueado pela Justiça em Agosto de 2015, frente à alegação do MPDFT de que não houve estudos de impacto para a manutenção da estrada após a criação do parque. Todavia, diariamente veículos driblam as barreiras e trafegam por caminhos de terra abertos ao lado da via principal. Tráfego reduzido, falta de sinalização e de fiscalização abrem alas ao despejo incessante de lixo na área verde.

Para o fim do ano passado e frente a um comentado acordo entre Judiciário, Ministério Publico e Governo Distrital, foi anunciado o início de obras para a reabertura do trecho bloqueado há dois anos. Elas incluiriam a instalação de quebra-molas, o conserto de meios-fios, a melhoria na sinalização e até o plantio de árvores nas laterais da HI-104 Sul para a redução de impactos ao Parque Ecológico Bernardo Sayão. Nada foi feito.

Enquanto medidas efetivas tropeçam na morosidade dos imbróglios administrativos, o despejo de lixo e outros danos à área protegida persistem. Sem reação popular e ação do Poder Público, o parque corre sério risco de perder definitivamente a capacidade de cumprir suas funções e, assim, abrir ainda mais espaço para a desabalada ocupação urbana do Distrito Federal.


por Aldem Bourscheit // Jornalista DRT/RS 9781 // jornaldem@gmail.com
- Ativista em Políticas Públicas Socioambientais
- Membro da Comissão sobre Educação e Comunicação da UICN
- Mestrando em Desenvolvimento Sustentável pelo Fórum Latino-america

Fragmentação põe em risco fauna da Mata Atlântica

Por Vandré Fonseca
Só sobrou 8% da Mata Atlântica, ainda por cima, fragmentados. Foto: Otávio Nogueira/Flickr
Só sobrou 8% da Mata Atlântica, ainda por cima, fragmentados. Foto: Otávio Nogueira/Flickr
Manaus, AM - Se ter pouca floresta já é ruim, pior ainda se o que restou dela estiver dividido, fracionado em pedaços ainda menores. A fragmentação do hábitat aumenta a possibilidade de desaparecimento das espécies, conforme artigo recentemente publicado no jornal científico Proceedings of the Nacional Academy of Sciences (PNAS).


"Muitas regiões florestais, com a Mata Atlântica, na América do Sul, têm sido reduzidas a pequenas frações de sua extensão original e essas florestas estão frequentemente muito fragmentadas", afirmou o autor principal do artigo, Ilkkla Hanski, da Universidade de Helsinki, Finlândia, para o site Mongabay.com. "Nossos resultados sugerem que, nesta situação, se alguém ignora o efeito da fragmentação provavelmente subestima a extinção".


O artigo cita trabalho do biólogo Gonçalo Ferraz, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que desenvolve estudos de efeitos da fragmentação sobre a as aves, desenvolvidos no Programa de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), mantido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Instituto Smithsonian.


De acordo com Ferraz, em florestas que foram muito reduzidas, a configuração da mata restante passa a ser fundamental para a preservação das espécies que vivem ali. "Por exemplo, na Mata Atlântica de hoje, a distribuição espacial da cobertura florestal tem mais importância para a sobrevivência das espécies do que a distribuição espacial da cobertura florestal da Amazônia como ela é hoje", afirma o pesquisador.


Mesmo sem levar em conta a fragmentação, as previsões feitas pelo modelo anterior, chamado de Relação Espécie-Área (SAR, em inglês), já apontavam que uma redução de 90% na área florestal resultava na extinção local de metade das espécies de aves. Mas este dado pode ser otimista. Os autores do estudo aplicaram outro modelo matemático, que inclui a fragmentação do hábitat nos cálculos, para estimar a perda de espécies na Mata Atlântica, a qual mantém apenas 8% de sua extensão original. Essa nova estimativa é ainda pior, e mais próxima da realidade.


Eles concluíram que a fragmentação tem um efeito elevado em ambientes reduzidos a menos de 20% da paisagem original. Outro ponto levantado pelo estudo é que, quando resta apenas 10% da floresta, a maioria dos animais e aves não são capazes de sobreviver a longo prazo.


Ao levar em conta os efeitos da fragmentação, pesquisadores têm apresentado más notícias para a biodiversidade. Há algumas semanas, com base nos efeitos da fragmentação e as distâncias entre os fragmentos florestais da Mata Atlântica, a equipe liderada pelo professor Gareth Russell, do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey, já havia sugerido que o estado de conservação de 28 aves da floresta brasileira fosse reconsiderado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). No artigo publicado em julho, na revista Conservation Biology, os pesquisadores analisaram a situação de 127 espécies, levando em consideração aspectos como a fragmentação do ambiente e a distância entre esses fragmentos.


Os autores liderados por Hanski alertam que a Mata Atlântica não é o único ambiente tropical a sofrer gravemente com a fragmentação. Eles citam também todo o Sudeste Asiático, onde frações da floresta estão separadas por monoculturas, como o óleo de palma, borracha e plantios para produção de celulose. Na África, espécies estão sendo confinadas a pequenas manchas de floresta pelo avanço da agricultura, principalmente no litoral e montanhas da África Oriental.


Áreas protegidas: mudar mentalidade e garantir o futuro




03 Agosto 2017   |   0 Comments
Maurício Voivodic*
Cientistas do mundo todo estão fazendo um alerta. Este 2 de agosto marca o dia em que a humanidade consumiu mais recursos naturais do que a Terra é capaz de repor em um período de doze meses - o Dia da Sobrecarga da Terra. Em 2016, a Terra entrou neste cheque especial no dia 8 de agosto. Em 2000, foi no dia 5 de outubro. Esta antecipação mostra que o uso dos recursos do planeta é maior a cada ano, de forma descontrolada.
As pesquisas indicam que as ações humanas já causaram a redução de mais da metade (58%) das populações de vida silvestre desde 1970. Caminhamos a passos largos para a sexta extinção em massa dos seres vivos – a última delas, há mais ou menos 65 milhões de anos, fez desparecer da face da Terra os dinossauros.  Atualmente, nos trópicos, o ritmo dessa perda é ainda mais acelerado. 
Até o ano 2000, 48,5% do habitat de florestas tropicais e subtropicais foram convertidos para o uso humano, segundo dados do Living Planet Report. Considere que as florestas tropicais estão entre os ecossistemas mais ricos do planeta, e que sofreram a maior perda em termos de área. 
Vai-se a floresta e com ela vão todos os serviços ambientais de que a humanidade depende: água, equilíbrio climático, alimentos, medicamentos, abrigo. Estamos colocando o nosso futuro em risco.
Ingressamos em uma nova época geológica, o Antropoceno, em que os seres humanos, mais do que forças naturais, representam hoje o principal fator de mudança na paisagem do planeta. A notícia boa é que podemos também redefinir essa nossa relação com a Terra.
A chave é sair de uma postura predatória adotada contra o planeta e seguirmos um padrão de uso dos recursos naturais sustentável. Isso quer dizer, na prática, que precisamos usar o que a Terra nos oferece dentro da capacidade natural de reposição dos ecossistemas, além de parar imediatamente de destruir a biodiversidade. Somente assim as gerações futuras também poderão usufruir de toda essa riqueza.
Temos de cruzar a ponte e fazer a transição para um modo de vida que relacione o desenvolvimento humano com a conservação da natureza. Trata-se de um novo pacto civilizatório. E esse pacto supõe, necessariamente, a criação e a manutenção de uma rede de áreas protegidas em escala global.
Ao garantir a existência de áreas voltadas exclusivamente à conservação da biodiversidade e seus serviços ambientais, e ao uso sustentável dos recursos naturais, estamos assegurando as condições essenciais de sobrevivência da vida na Terra.
Vejamos o caso do Brasil.
O país tem hoje cerca de 17% do seu território em unidades de conservação (UCs). Estamos falando de parques nacionais, reservas extrativistas, estações ecológicas e florestas públicas. A maior parte da energia elétrica consumida hoje no país vem de rios que nascem ou passam pelas UCs.  
Um terço da água que abastece a todos nós parte dessas unidades. Elas ajudam a controlar o microclima das cidades, a qualidade do ar que respiramos e previnem desastres associados a eventos climáticos extremos, como deslizamentos de terra, enchentes e grandes incêndios florestais.
Sem contar que o Brasil, como um dos maiores produtores de alimento do mundo, depende da regulação do clima, da disponibilidade de água, do combate às pragas e da polinização promovidos pela existência das áreas protegidas.
Diante disso, criar e consolidar a proteção das florestas é um dos diferenciais que o país tem como alicerce para uma nova economia, pautada no desenvolvimento de tecnologias e capacidades que valorizem seu patrimônio natural – uma nova revolução industrial que só está começando. 
Garantia de futuro
Até 2010, o Brasil foi campeão mundial de criação de unidades de conservação, aumentando significativamente a área sob proteção na Amazônia. Esse fato ajudou a atrair para o país recursos de diversos países para a conservação ambiental, o que mostra que a existência dessas áreas criar fluxos financeiros para manter a biodiversidade.
O Programa ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia) tornou-se nos últimos 15 anos o maior programa de conservação de florestas tropicais do mundo. Com investimentos internacionais na ordem de 250 milhões de dólares – a serem combinados com o orçamento público –, o programa investe em boa gestão de cerca de 114 Unidades de Conservação na Amazônia, totalizando quase 60 milhões de hectares.
No entanto, nos últimos anos, unidades de conservação no Brasil passaram a ser ameaçadas por dois principais fatores: a redução de orçamento para sua gestão e a contestação dos limites desses territórios protegidos por setores ligados à mineração, energia e agropecuária.
De acordo com o recente dossiê publicado pelo WWF-Brasil, em maio de 2017, cerca de 10% do território dessas unidades de conservação corriam o risco de serem extintos por pressão desses setores com apoio explícito do Congresso Nacional.
Atrelar o destino das áreas protegidas brasileiras a este cenário de ameaça é condenar o país a um futuro de degradação ambiental e social. 
As áreas protegidas são nossa maior contribuição para conter a perda de biodiversidade no mundo e a garantia de sobrevivência da nossa espécie.

* Maurício Voivodic é Diretor Executivo do WWF-Brasil

Artigo publicado originalmente no site do Museu do Amanhã

Em nova publicação, WWF-Brasil discute o futuro do Código Florestal




04 Agosto 2017   |   0 Comments

O WWF-Brasil lançou nesta quinta-feira (3) no Memorial Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, a publicação Código Florestal Brasileiro – Haverá Futuro? O evento encerrou o seminário técnico sobre o Cadastro Ambiental Rural promovido pelo Observatório do Código Florestal e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

O livro tem distribuição gratuita e versão eletrônica acessível aqui.

A publicação traz doze artigos de opinião inéditos assinados por diversos especialistas que discutem o tema do ponto de vista da ciência, das políticas públicas, da gestão de governo, do mercado e da sociedade civil.
É uma contribuição do WWF-Brasil ao debate sobre o destino do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012,) que completa cinco anos em 2017 em um ambiente de incerteza quanto ao seu futuro.

Trata-se de uma das mais importantes políticas públicas para um país megadiverso como o Brasil, líder mundial na produção agropecuária, com um imenso patrimônio florestal a ser conservado e passivos ambientais igualmente significativos a serem resolvidos.

Nesses últimos cinco anos, a lei florestal deu apenas seus primeiros passos rumo à implementação qualificada que se pretende dar a ela.

O cadastro das propriedades rurais já é uma realidade, embora a validação das informações declaradas ainda seja uma meta a ser atingida, assim como as etapas posteriores de regularização ambiental, objetivo central da lei.

“O recente aumento das taxas de desmatamento na Amazônia e a pressão sobre remanescentes de vegetação nativa do Cerrado indicam um cenário em que o risco de retrocessos no curso de implementação desta lei é iminente”, explica Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil e organizador da publicação.
 “O Código Florestal precisa chegar à maturidade plena para nos garantir a perspectiva ambiental, climática, econômica”, diz ele.

É por isso que o WWF-Brasil decidiu convidar alguns dos mais destacados nomes ligados à discussão do tema no país para trazer à luz as reflexões sobre o futuro da lei florestal.
De acordo com o organizador, o objetivo da publicação é alimentar o debate em sua complexidade, na perspectiva de que a lei se cumpra plenamente.

Para Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, é fundamental que a sociedade mantenha o fluxo de ideias para criar e manter em funcionamento políticas públicas robustas, capazes de conduzir o Brasil nas questões cruciais que o século 21 coloca.

Na opinião dele, a sustentabilidade no que diz respeito à conservação florestal é uma das questões chaves a definir o futuro que queremos projetar para as atuais gerações. “As escolhas que fizermos agora dirão se teremos futuro – ou não”.
 

Na natureza, não vale a Regra 3


Por Vandré Fonseca
Área localizada no município de Belmonte (BA). No primeiro plano é visto uma área recém cortada de plantação de eucalipto. Ao fundo é possível ver um remanescente florestal envolto por pastagem. Foto: José Carlos Morante-Filho.
Área localizada no município de Belmonte (BA). No primeiro plano é visto uma área recém 
cortada de plantação de eucalipto. Ao fundo é possível ver um remanescente florestal envolto
 por pastagem. Foto: José Carlos Morante-Filho.


O número de espécies de aves em remanescentes de Mata Atlântica no sul da Bahia permanece estável, mesmo com o aumento da derrubada de árvores. Porém, os novos moradores da área nem sempre cuidam da floresta tão bem quanto os antigos. A substituição das aves que vivem em florestas, como jacutingas e tucanos, por outras capazes de se adaptar a ambientes mais degradados, como bem-te-vis ou sabiás, pode afetar as funções ecológicas realizadas pelos animais.


O alerta é feito pelo biólogo José Carlos Morante-Filho, pesquisador da Universidade Estadual de Santa Cruz, Bahia. Um estudo liderado por ele demonstrou que o empobrecimento filogenético de aves especialistas florestais pode ser compensado pelo aumento da diversidade filogenética de aves generalistas de habitats. Porém, com a substituição funções ecológicas podem ser perdidas nos remanescentes florestais. A diversidade filogenética indica o parentesco entre espécies de uma localidade.


Durante o estudo, publicado em julho no Journal of Applied Ecology, ele e colegas analisaram a comunidade de aves em fragmentos de floresta em paisagens com diferentes intensidades de desmatamento, que variam de 5% a 90%. Foram usados 40 pontos de amostragem distribuídos nos municípios de Una, Santa Luzia, Mascote e Belmonte – sul da Bahia.


“Uma espécie generalista pode ter funções ecológicas muito parecidas com outra espécie generalista”, explica o biólogo. “Nós estamos perdendo espécies que evoluíram com o ecossistema florestal, então nós estamos perdendo interações ecológicas, e isso não pode ser substituído a curto prazo por uma espécie generalista”, completa.


O pesquisador José Carlos Morante-Filho realizando a amostragem de aves dentro de um remanescente florestal. Foto: Divulgação.
O pesquisador José Carlos Morante-Filho realizando a amostragem de aves dentro de um remanescente florestal. Foto: Divulgação.

Os pesquisadores haviam avaliado, em estudos anteriores, o consumo de frutos artificiais por aves, um indicativo da dispersão das sementes. O resultado demonstrou que proliferação de aves generalistas não significa aumento no consumo de frutos no interior da floresta.

“Quem ocorre no interior da floresta são as aves especialistas. Então se eu perco essas aves, eu diminuo o consumo de frutos e provavelmente eu possa reduzir a dispersão das sementes”, afirma o pesquisador, que cita o exemplo dos tucanos e jacutingas e seus grandes bicos. “Já se sabe que um sabiá não vai conseguir consumir frutos do tamanho que o tucano consegue. Então nós sabemos que, quando tem uma substituição por uma espécie de menor porte, isso pode ter um grave efeito para o funcionamento do ecossistema florestal”.

Os pesquisadores já haviam verificado também que o consumo de folhas por insetos herbívoros é intensificado em paisagens desmatadas. Uma das possíveis razões, segundo Morante-Filho, é que as aves generalistas não executam o mesmo papel de controle de insetos que antes ocorria. Em áreas desmatadas, as folhas são mais consumidas, o que pode acarretar mudanças em toda a estrutura da floresta.

Outra consequência dessa substituição é a chamada homogeneização taxonômica. Como as aves generalistas proliferam em qualquer lugar, a tendência é que os fragmentos florestais fiquem muito parecidos entre eles.

Os resultados são importantes para a discussão sobre planos de conservação. O planejamento é especialmente baseado em números de espécies, segundo o pesquisador. Para ele, é importante compreender como funcionam ecologicamente esses fragmentos e como manter esse funcionamento a longo prazo.
Myiarchus tyrannulus (Maria-cavaleira-de-rabo-enferrujado), espécie generalista de habitat comumente visualizada em ambientes antropizados. Foto: José Carlos Morante-Filho.
Myiarchus tyrannulus (Maria-cavaleira-de-rabo-enferrujado), espécie generalista de habitat 
comumente visualizada em ambientes antropizados. Foto: José Carlos Morante-Filho.


Drymophila squamata (pintadinho), espécie especialista florestal que é negativamente afetado pelo processo de desmatamento. Foto: José Carlos Morante-Filho.
Drymophila squamata (pintadinho), espécie especialista florestal que é negativamente afetado pelo 
processo de desmatamento. Foto: José Carlos Morante-Filho.


Saiba Mais
O artigo: Compensatory dynamics maintain bird phylogenetic diversity in fragmented tropical landscapes. 
Leia Também 

O que é grilagem e o que ela tem a ver com o desmatamento na Amazônia


Por Observatório do Clima
A grilagem de terra, o ato de ocupar ilegalmente terras públicas, está intimamente ligada com o desmatamento na Amazônia. Após a sanção, sem vetos, da Medida Provisória 759 (atual Lei 13.365), no começo de julho, o governo Temer ampliou a anistia à grilagem em sete anos e elevou de 1.500 para 2.500 hectares o tamanho das propriedades passíveis de regularização, o que permite legalizar a posse de grandes propriedades, em especial na Amazônia.


Como funciona a grilagem de terras, porque ela está relacionada com crimes que vão de desmatamento ilegal ao trabalho escravo e o que essa história tem a ver com a recente tentativa de reduzir a proteção da Floresta Nacional do Jamanxim é o que o Observatório do Clima explica, nesse vídeo de quase 3 minutos. Assista.


 https://youtu.be/Jx7Vq3Scld8
logo Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.

O Brasil no caminho das trilhas de longo curso

Por Pedro da Cunha e Menezes
Parque Nacional da Serra do Cipó. Foto: Divulgação.
Parque Nacional da Serra do Cipó. Foto: Divulgação.


Em outubro de 1921, o engenheiro florestal norte-americano Benton MacKaye apresentou ao mundo uma das ideias mais originais da história dos esportes de montanha: a trilha de longo curso. Naquele ano, ele publicou em Nova Iorque o seu projeto de sinalizar um caminho contínuo na cordilheira dos Apalaches desde o Maine até a Georgia, perfazendo um total de cerca de 3.600 km de trilhas. Sua ideia encontrou apoio amplo na comunidade excursionista, que começou a trabalhar voluntariamente na rota, cujo primeiro trecho ficou pronto em 1923. Em 1937 a trilha já estava toda sinalizada. O projeto, que hoje atrai cerca de dois milhões de trilheiros todos os anos, dos quais mais de dois mil percorrem-na de ponta a ponta, deu tão certo que em 1968 o governo americano criou uma nova categoria de unidade de conservação em seu SNUC, a National Scenic Trail, inicialmente pensada sob medida para a Appalachian Trail.


Hoje o Sistema Nacional de Trilhas dos Estados Unidos conta com trinta trilhas de longo curso que juntas somam mais de 80 mil quilômetros de caminhos sinalizados e oficialmente protegidos. Do ponto de vista da conservação, essas trilhas funcionam como conectores de paisagens, cujo equivalente legal no Brasil é o corredor ecológico.


Como toda ideia genial, a AT de Ben Mackaye logo ganhou cópias pelo mundo afora. Hoje há no mundo mais de 200 trilhas de longo curso. Somente no Reino Unido elas são 19. Em outros países ricos, como Austrália, França, Canadá, Espanha e Alemanha há dezenas delas, mas mesmo em nações menos abastadas como Armênia, Eslovênia, Líbano, Chile, Argentina, Panamá, África do Sul, Coreia, Egito, Jordânia, Albânia, Hong Kong e Dominica existem trilhas de longo curso completamente sinalizadas e em plena operação.


O conceito deu tão certo que também foi levado para o palco internacional. Na Europa, além da Friendship Trail entre a Polônia e a República Tcheca e a trilha Peaks of Balkans que liga Albânia, Montenegro e Kosovo, há hoje 12 Trilhas Europeias, cada uma com mais de 2.000 km de distância. Juntas formam uma rede de caminhadas com 55 mil quilômetros, que tornam possível caminhar desde a Turquia até a Irlanda, ou desde Portugal até a Turquia, para citar apenas duas possibilidades.


Expansão transfronteira 
Trecho da Appalachian Trail. Foto: Wikipédia.
Trecho da Appalachian Trail. Foto: Wikipédia.

“Assim, sem acordos ou negociações diplomáticas, mas somente com a pressão dos usuários de uma trilha, estabeleceu‑se um dos maiores corredores ecológicos do mundo, que só funciona porque conta com grande apoio social no campo e cooperação bilateral, ainda que executada, sobretudo, de maneira informal.”.
A própria Appalachian Trail também já se internacionalizou. Em 1994, montanhistas canadenses resolveram estendê-la no lado norte da fronteira estadunidense até o fim da cadeia montanhosa dos Apalaches, em Belle Isle, na província de Newfoundland. Ao longo da década de 1990, construíram e interligaram mais 1.200 quilômetros de picadas e caminhos rurais e aplicaram no lado canadense da trilha os mesmos métodos e princípios de manejo utilizados nos Estados Unidos. Na prática, estenderam o grande corredor ecológico a seis novas áreas protegidas no Canadá.

Hoje, não só pelo valor que tem como rota de migração de espécies, mas também graças ao seu uso contínuo por montanhistas, que ajudam a desenvolver a deprimida economia rural que atravessa o trecho canadense da Appalachian Trail, tem o apoio financeiro e de manejo das agências provinciais de unidades de conservação do Quebec, New Brunswick, Prince Edward Island e Newfoundland, bem como do Serviço Canadense de Parques Nacionais. Assim, sem acordos ou negociações diplomáticas, mas somente com a pressão dos usuários de uma trilha, estabeleceu‑se um dos maiores corredores ecológicos do mundo, que só funciona porque conta com grande apoio social no campo e cooperação bilateral, ainda que executada, sobretudo, de maneira informal.


Aqui na América do Sul, países como Chile, Peru e Argentina já estão implementando suas trilhas de longo curso e, mesmo o Brasil cujo território foi inicialmente habitado por culturas indígenas sedentárias e nômades e depois desbravado nas longas caminhadas dos bandeirantes, começa a levantar de seu berço esplêndido.


Até onde eu saiba, os primórdios das trilhas de longo curso em nosso país remontam a 1996. Naquele ano, quando trabalhava nos Jogos Olímpicos em Atlanta, tomei conhecimento da existência da Appalachian Trail. O contato com a ideia logo despertou o óbvio: “porque não fazer uma trilha semelhante no Brasil?”


De volta, foram colocadas mãos à obra e, como quem não tem genialidade para inventar cópia, recorreu-se à réplica mais perfeita possível: uma Appalachian Trail brasileira, correndo de norte a sul pela Serra do Mar, que é a nossa equivalente das Montanhas Apalaches.


Também, como na Appalachian Trail, aplicou-se a estratégia de começar pequeno por onde houvesse mais apoio para que esse primeiro trecho, com identidade e logotipo próprios, pudesse servir como embrião de uma trilha maior ao longo do litoral brasileiro, servindo como um conector de áreas núcleos em nossa tão fragmentada Mata Atlântica.


Nesse sentido, o projeto teve início em 1999, com a sinalização de 60 km na Floresta da Tijuca, cujo traçado já foi pensado para poder ser expandido para todo o Município do Rio de Janeiro, no que viria a ser a Trilha Transcarioca. Essa por sua vez, em sua concepção publicada no livro Trilha Transcarioca, Todos os Passos de um Sonho, foi pensada para ser o primeiro trecho de uma Appalachian Trail brasileira, “colocada estrategicamente para conectar-se com outros três importantes caminhos. Antes de seu início estão a Trilha do Ouro entre São José do Barreiro e Mambucaba e a Volta da Ilha Grande, onde se pega uma lancha até o Abraão e a Trilha Circular da Ilha Grande, de onde também é possível imaginar uma conexão marítima, dessa vez com a Marambaia. Após o seu final, o transcarioqueiro pode...tomar uma lancha até o Porto da Estrela. Lá se inicia a jornada pela trilha mãe do Brasil, a Estrada Real.”

Parque Estadual do Rio Preto. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Parque Estadual do Rio Preto. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.


Em meados de 1998 fui convidado pela prefeitura de Angra dos Reis para visitar a Ilha Grande para uma consultoria informal ao Projeto de Sinalização das Trilhas que estava sendo implementado lá. Na ocasião, dei uma palestra na Vila do Abraão, que resultou em um estimulante debate sobre a possibilidade de operar a volta da ilha como a primeira trilha de longo curso estruturada do Brasil. Houve até quem fosse além e propusesse a ligação ao continente e a extensão da trilha até Paraty, ligando natureza e história.


No mesmo ano fui contratado pelo SEBRAE para ministrar uma série de cursos para turmas de aspirantes a Guias de Atrativos Naturais em diferentes cidades do Estado do Rio de Janeiro. Um dos lugares em que dei aulas foi Paraty. Lá, ao explicar o conceito de Trilhas de Longo Curso, fui apresentado à Trilha do Ouro de Paraty e à Volta da Juatinga. O então Chefe da APA do Cairuçu, Ney Pinto França, também me mostrou as trilhas do Quilombo do Campinho, todas se entrelaçando e sugerindo uma trilha de longo curso cada vez maior ao longo da Mata Atlântica Fluminense. Em Paraty também houve quem me assegurasse que, ao contrário do senso comum, a ligação colonial do Rio às vilas da baía da Ilha Grande não era feita só de barco. Também havia uma trilha e valia a pena recuperá-la. Junto com a Trilha Transcarioca e a Travessia Petrópolis-Teresópolis, formariam o embrião de nossa Appalachian Trail tupiniquim.


Voltei para casa estimulado e fui buscar nos livros algo que comprovasse a existência do caminho terrestre. Vasculhei a Coleção dos Viajantes; um por um, todos se deslocavam sempre pela Estrada do Real, do Rio ou de Santos, em direção a Minas Gerais. Descrições da Estrada Real havia muitas, por diversos caminhos, mas trilha no sentido norte-sul, nada.


Quando já ia quase desistindo, resolvi consultar Johann Emanuel Pohl. Comprara Pohl por conta das ricas descrições de suas andanças na Goiás oitocentista, que me senti curioso para vivenciar quando morei em Brasília entre 1994 e 1995, ao tempo em que cursei o Instituto Rio Branco. Folheei o livro sem grandes pretensões, mas eis que lá estava um capítulo com o que me interessava: “Viagem no Território do Rio de Janeiro à Angra dos Reis”.


“Ao que parece, as trilhas de então não eram melhor que as de hoje “o caminho era extraordinariamente difícil. Subimos árduos rochedos de setenta centímetros de altura, entre os quais as chuvas haviam rasgado calhas. Depois vieram massas ásperas alternadas com cascalho graúdo. Grossos galhos e ramos pendentes dificultavam mais a travessia. Nesse caminho horrendo os animais não tinham marcha segura....a trilha era extremamente escarpada e em pouco tempo se tornou tão perigosa que tivemos que apesar de nossas montarias para não nos ferirmos nas curvas pedregosas do caminho...”.
Emocionado, devorei as dezenove páginas do relato em que Pohl avisava: “todos os viajantes costumavam preferir a viagem por mar, que é mais confortável”. Ao que parece, as trilhas de então não eram melhor que as de hoje “o caminho era extraordinariamente difícil. Subimos árduos rochedos de setenta centímetros de altura, entre os quais as chuvas haviam rasgado calhas. Depois vieram massas ásperas alternadas com cascalho graúdo. Grossos galhos e ramos pendentes dificultavam mais a travessia. Nesse caminho horrendo os animais não tinham marcha segura....a trilha era extremamente escarpada e em pouco tempo se tornou tão perigosa que tivemos que apesar de nossas montarias para não nos ferirmos nas curvas pedregosas do caminho...


Havia trilha e havia história! Então havia esperança de copiar no Brasil também a esplêndida ideia de Benton MacKaye.


No outro sentido, em 1999 tive o privilégio de acompanhar Raphael Olivé no desbravamento do trecho da Estrada Real entre o Porto da Estrela- ou Cais dos Mineiros-, no fundo da baía de Guanabara, e Petrópolis. Foi uma caminhada penosa, temperada por uma prosa boa em que o autor belorizontino me expôs seus sonhos de sinalizar a antiga rota colonial entre o Rio e as Minas e transformá-la em uma espécie de Caminho de Santiago brasileiro. Mais tarde, Raphael me deu a honra de escrever o prefácio de seu “Guia da Estrada Real para Caminhantes onde ele se firmou como um dos idealistas que lançaram as bases para o bem sucedido projeto Estrada Real,  que tantos turistas atrai no dia de hoje.


Não chega a ser a Estrada Real que gostaríamos: uma trilha de longo curso servindo também como conector de fauna, aproveitando veredas e caminhos existentes, reflorestando outros e abrindo mais uns quantos. A Estrada Real de hoje está sobretudo em estradas de terra e campos abertos. Apenas 10% dela aproveita trilhas e rotas antigas. Nada, contudo, que nos impeça de continuar sonhando. Falaremos disso mais adiante.


Em 2000, logo após implementar as Trilhas Circulares da Floresta da Tijuca e depois de lançar a ideia da Trilha Transcarioca, fui selecionado pelo governo americano como bolsista do programa International Visitors para o tema Parques Nacionais. No âmbito da bolsa, foi-me oferecido um périplo de 28 dias aos Estados Unidos para visitar locais de minha escolha. Não pestanejei. Desenhei uma viagem voltada para dois focos: estudar unidades de conservação urbanas e aprender a planejar, implementar, manter e administrar trilhas de longo curso. Visitei a Appalachian Trail, a Tahoe Rim Trail, a San Francisco Bay Trail e a Pacific Crest Trail. Conversei com gestores, voluntários, provedores de serviços, usuários e moradores do entorno. Voltei ao Brasil cheio de gás.


De volta ao começo
Quase não tive tempo de colocar em prática o que aprendi. Fui exonerado da Chefia do Parque Nacional da Tijuca e voltei para o Itamaraty, que enviou-me para o Consulado-Geral do Brasil em Sydney. Na Austrália, nas horas vagas, comecei um aprendizado profissional mais robusto no tema.
Nos três anos que passei no país caminhei de ponta a ponta a Great North Walk e a Harbour to Hawksville Trail, palmilhei vários trechos da Bibbulmun Track, da Cape to Cape, da Larapinta Trail, da Heysen Trail, da Overland Track, da Fraser Island Great Walk, da Australian Alps Walking Track e da Tops to Myall Trail. Mais do que caminhar, interagir com os diversos agentes envolvidos na construção, manejo e governança dessas trilhas fez uma grande diferença no conhecimento acumulado.
Parque Natural do Sudeste Alentejano e Costa Vicentina - Portugal. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Parque Natural do Sudeste Alentejano e Costa Vicentina - Portugal. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.


Conhecimento que parecia destinado a não ser usado nunca. Da Austrália fui para  Nairobi, do Quênia para Portugal e da Lusitânia para a África do Sul. Nesses 10 anos as trilhas de longo curso foram se acumulando: GRR1 e GRR2 em Reunião; GR em Mayotte; Otter, Tsitsikama, Whale, Hoerikwaggo e Harkerville trails na África do Sul; GR da Serra da Estrela e Rota Vicentina em Portugal; Turacco Trail no Zimbábue; Sendero de Chile; Waitukubuli em Dominica; E 1, E 5, E 9, Via Alpina e Peaks of Balkans na Europa; Bruce Trail, Pan Am Path e International Appalachian Trail no Canadá; Florida Trail nos Estados Unidos; Jeju Ollé na Coreia; West Highland Way na Escócia; Israel Trail em Israel; GR 13 na França; Wicklow Way na Irlanda; Taff Trail, Pennine Way e Hadrian's Wall na Inglaterra e Laugavegur Treck na Islândia; além do clássico O+W em Torres del Paine e do Monte Roraima.


Quando, em 2010, voltei ao Brasil para assumir a Diretoria de Criação e Manejo do ICMBio estava bem mais preparado, além de muito motivado. O que fez a diferença, contudo, foi que, a partir de então, comecei a conhecer outras pessoas que também tinham o sonho de desenvolver trilhas de longo curso no Brasil, a começar pela própria equipe que recebi bem azeitada de Ricardo Soavinsky, um dos maiores defensores do Uso Público no Brasil. Entre eles destaco especialmente Bernardo Issa, Sonia Kinker, Fabio França, Paulo Faria, Thiago Beraldo, Mateus Sonego, Luis Neves e Ernesto Viveiros de Castro, que logo seria removido de Brasília para o Parque Nacional da Floresta da Tijuca, onde ajudou a implementar a Trilha Transcarioca.


Em Brasília, esse time concebeu o projeto “Travessias”, cujo objetivo era implementar trilhas com pelo menos um pernoite no maior número possível de nossas unidades de conservação. Colocamos a mão na massa. Com o apoio inestimável de Carla Guaitanelle, então Chefe do Parque, nos envolvemos pessoalmente na implementação da Travessia das Sete Quedas na Chapada dos Veadeiros. O projeto foi tão bem sucedido que hoje, quatro anos depois, a trilha opera praticamente com 100% de sua capacidade, tendo colaborado, desde sua inauguração, junto com o fim da obrigatoriedade de contratação de guias, para o aumento da visitação no Parque em 230%.


Mas não foi só: houve também um grande esforço na busca de parceiros, treinamento e implementação de novas trilhas. Bastante energia foi colocada na capacitação e implementação de travessias na Serra do Mar paranaense, onde o ICMBio administra diversas unidades de conservação. Com esse objetivo, foram feitas visitas aos Parques Nacionais de Superagui, Saint-Hilaire/Lange e (depois de minha exoneração) Guaricana e à APA de Guaraqueçaba, além dos Parques Estaduais da Ilha do Mel, Serra da Baitaca e Marumbi e às APAs estaduais de Guaratuba e Graciosa. Também foi inspecionado o Parque Estadual de Acaraí, na Ilha de São Francisco, em Santa Catarina, para verificar as possibilidades de conexão com o complexo de áreas protegidas do litoral paranaense.


Entusiastas
Parque Nacional do Guaricana. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Parque Nacional do Guaricana. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.


No Paraná, depois de devorar os excelentes livros Caminhos Coloniais da Serra do Mar e Caminhos do Sul, que nos descortinam as estradas coloniais e imperiais da Graciosa e do Itupeva, cujos traçados praticamente imploram para serem incluídos em um circuito maior de caminhadas, solicitei ajuda da excelente equipe do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange. Contei também com a intermediação, e com os contatos feitos por Pedro Hauck, montanhista de renome no Brasil e detentor do maior prêmio do montanhismo brasileiro, o “Mosquetão de Ouro” outorgado pela Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada. Pedro é entusiasta de primeira hora da implementação de uma trilha de longo curso no Paraná. Nos apresentou pessoas e abriu portas.


Uma vez feitas as apresentações, houve cursos de sinalização rústica com participação do Instituto de Áreas Protegidas do Paraná, do CPM - Clube Paranaense de Montanhismo e da AMC - Associação de Montanhistas de Cristo, cujos sócios, sob a batuta de Marcelo Brotto, Vitor Hugo Lau, Getúlio Vogetta e Daniel Lambert, nos acompanharam nas travessias que fizemos à Torre do Prata, no Saint Hilaire/Lange e no Parque Nacional do Guaricana, em busca de alternativas para a implementação de uma trilha de longo curso.


Mais tarde, o montanhista dublê de caiaqueiro Alexandre Lorenzetto, vulgo Sassá, e sua companheira Galiana Lindoso, casal com larga experiência no planejamento do uso público de unidades de conservação e em elaboração de planos de manejo, começou a mapear as possibilidades de ligação entre a terra e as ilhas da Baía de Paranaguá, de modo a desenhar o melhor traçado possível para a nossa Appalachian Trail em solo paranaense.


Quase ao mesmo tempo, o Chefe do Parque Nacional de Serra dos Órgãos, Leandro Goulart, e sua equipe conceberam o Caminho da Serra do Mar, ligando a Baixada Fluminense até o Parque Estadual dos Três Picos, com possibilidades de chegar até “Casimiro de Abreu, ou Vitória, vai depender da disposição de nossos caminhantes… trilhas existem!”, depois de cruzar a APA estadual de Macaé de Cima. Com ajuda de Ivan Monteiro, Pheterson Godinho e da afinada equipe de servidores do PARNASO, o trabalho não tardou a começar e a trilha hoje já está 100% sinalizada.


Para pensar o tema de forma estruturada e não repetir erros de outros, em 2012 e novamente em 2013 promovemos o I e II Seminários Internacionais de Trilhas de Longo Curso, onde tivemos a oportunidade de conhecer a fundo algumas experiências sul-africanas e norte-americanas no assunto.
Sinalização de trilhas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
Sinalização de trilhas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.

Ainda em 2013, por iniciativa de Milton Dines e com apoio da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, realizamos a primeira reunião técnica visando a implementação da Trilha Transmantiqueira, começando no Parque Estadual dos Campos do Jordão e terminando no Parque Estadual da Pedra Selada, depois de passar pela APA da Mantiqueira, pelo Parque Nacional do Itatiaia e pelo Parque Estadual da Serra do Papagaio. Nos debates do evento, vislumbrou-se a conexão dessa travessia de 20 dias com o Parque Nacional da Bocaina e, através da Trilha do Ouro, com Paraty e/ou Mambucaba, Ilha Grande e Trilha Transcarioca, conectando-se então com o Caminho da Serra do Mar. Aos poucos a Appalachian Trail brasileira começava a ganhar contorno e rota.


Naquele mesmo ano, liderei uma expedição na recém reaberta travessia Rebouças x Mauá, no Parque Nacional do Itatiaia, coração da Transmantiqueira, com o intuito de sensibilizar alguns tomadores de decisão do setor privado da importância do estabelecimento de trilhas de longo curso para o fortalecimento do ecoturismo como ferramenta de conservação no Brasil.


Embora a Transmantiqueira ainda não esteja sinalizada, nem tenha início e fim definidos de forma unânime, basta consultar o wikiloc para verificar que ela já existe e é percorrida. Em 2015, o corredor Pablo Bucarelli completou 397 quilômetros dela em seis dias. Enquanto escrevo esse histórico, o montanhista gaúcho Tiago de Pellegrini Korb, Marcos Irajá e Luciana Moro estão no meio de uma caminhada que cobrirá quase o dobro da distância. Serão 630 km entre Extrema e Airuoca.


Com tanta gente transmantiqueirando, no final de 2015, com instrutores da Trilha Transcarioca, a então chefe do Parque Estadual mineiro da Serra do Papagaio, Clarice Silva, promoveu uma oficina que a permitiu manejar e sinalizar as trilhas da unidade de conservação com padrão equivalente ao da primeira Trilha de Longo Curso do Brasil. Rafael Teixeira, um dos montanhistas que Clarice alistou para o curso tampouco perdeu tempo. Levou as técnicas aprendidas à Associação de Montanhismo e Proteção da Serra da Mantiqueira, que logo tomou a si a responsabilidade de sinalizar e manejar o trecho da Transmantiqueira conhecido como Serra Fina.


De volta ao Estado do Rio de Janeiro, de sua residência em Angra dos Reis, Cesar Américo começou a ligar os pontos e propôs os Caminhos da Costa Verde, uma sequência de trilhas contínuas, ligando a Trilha Transcarioca ao Vale do Paraíba, onde se conectariam à Transmantiqueira. Do pensamento, Cesar foi à ação. Procurou a Trilha Transcarioca para entender como era feita sua sinalização e governança e logo botou em prática o projeto de tirar sua ideia do papel, com identidade, logomarca e governança próprias, incorporando lideranças e conhecimento locais, como os adquiridos por João Pontes na Ilha Grande.


Nossa Appalachian Trail tupiniquim
“Independente do nome, a cópia da brilhante ideia de Benton MacKaye ainda continua a evoluir.”.
Em 2014, após retornar de uma viagem à África organizada para integrantes da Trilha Transcarioca pelo Itamaraty em conjunto com o SOS Mata Atlântica, que incluiu uma visita técnica na Trilha Hoerikwaggo, Ernesto Castro publicou em ((o))eco o artigo “Caminho da Serra do Mar, o sonho de uma trilha de 2 mil km”, em que defende a expansão da nossa Appalachian Trail ao sul, para além do ponto inicial da Transmantiqueira, chegando até Aparados da Serra. Mais tarde, em reunião que tive a honra de participar, o nome do projeto foi mudado para Caminho da Mata Atlântica.


Independente do nome, a cópia da brilhante ideia de Benton MacKaye ainda continua a evoluir. No ICMBio, com apoio dos chefes das Florestas Nacionais de Canela e São Francisco de Paula, Antonio Cesar Caetano e Edenice Souza, o professor universitário Michel Bregolin, especialista em trilhas de longo curso, defende tirar do papel o antigo projeto da Rota dos Caminhos dos Campos de Cima da Serra e estender nossa Appalachian Trail até Canela. Para quem, como eu, pensou em algo que terminaria na divisa do estado de São Paulo com o Rio de Janeiro, foi fascinante ouvir essa proposta.



De fato, gostei tanto dela que, acompanhado de Nelson Brugger, diretor de Meio Ambiente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, em fins de 2016, fiz a rota Serra Gaúcha x Chuí, passando pelo Parque Nacional da Lagoa do Peixe e pela Estação Ecológica do Taim. Pode levar tempo e muito trabalho (a esse propósito, lembremos que os 183 km da Trilha Transcarioca demoraram 20 anos para sair do papel). Se, entretanto, levarmos em conta que o trecho Chuí x Cassino, considerado como a maior praia do mundo, já é operado para trilheiros em uma expedição totalmente estruturada em que se caminha cerca de 235 km em sete dias, então a ideia de, ao estilo de sua irmã Pacific Crest Trail, começar nossa Appalachian Trail na fronteira parece mais que uma boa ideia; Trata-se de um objetivo plenamente alcançável. Mais do que isso, no contexto da luta pela criação do Parque Nacional do Albardão, estender a trilha até lá significa usar o conceito de trilha de longo curso para apoiar a conservação ao melhor estilo do “conhecer para conservar”.


Ainda no Sul, os mesmos Thiago Korb, Getúlio Vogetta e demais montanhistas do Paraná já mapearam mais de 200 km em bordas de canions ligando Aparados da Serra, no Rio Grande do Sul, até Urubici, em Santa Catarina. Nesse sentido, o novo plano de manejo proposto para o Parque Nacional de São Joaquim já incorpora em seu texto a implementação de travessias.


Em Aparados, depois de quase quinze anos de uma gestão arisca à visitação, a nova Chefe do Parque, Clarice Silva, assumiu em março e não perdeu tempo. Com ajuda do grupo voluntário Somos Todos Parque, já implantou a nova trilha na borda do Cânion Malacara. Sua intenção para 2018 é ligar os cânions Faxinalzinho- Itaimbezinho - Malacara - Fortaleza. Trata-se de caminho com 30 km.
Morro da Igreja e Pedra Furada no Parque Nacional de São Joaquim. Foto: Otávio Nogueira/Flickr.
Morro da Igreja e Pedra Furada no Parque Nacional de São Joaquim. Foto: Otávio Nogueira/Flickr.

Em Santa Catarina, para além do Parque Nacional de São Joaquim, descendo a serra em direção ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, a FATMA em gestão compartilhada com a OSCIP Instituto Çarakura, está planejando e implementando trechos da nossa Appalachian Trail, já pensando em se conectar como uma Travessia em Floripa. Na Ilha de SC, já existe um sólido movimento local de sinalização e manejo das trilhas, o Programa Roteiros do Ambiente (PRA) – Trilhas e Caminhos da Ilha de Santa Catarina, coordenado pela FLORAM (órgão ambiental municipal) e realizado em parceria com ONGs locais (Coletivo UC da Ilha, Instituto Çarakura, IMMA e IEATA). 


O mesmo Instituto Çarakura tem se articulado com o Instituto Parque das Nascentes (IPAN) e outras ONGs e voluntários locais e com a Chefe do Parque Nacional da Serra do Itajaí, Vivianne Daufemback, para avançar com a implementação de trilhas e travessias por lá. O vice-presidente do Instituto Çarakura, Richard Smith, percorreu integralmente e sinalizou uma parte da Trilha Transcarioca (TT), sendo voluntário do Movimento Trilha Transcarioca, o que assegura uniformidade de métodos na implementação de nossa Appalachian Trail.


Está também desenvolvendo projeto para assegurar a segurança sanitária das trilhas e travessias em Parques, com banheiros secos e outras tecnologias de saneamento ecológico. Em Treviso, o casal de membros do MTT Sheila Zanesco e Cesar de Castro já está movimentando a comunidade local para levar os métodos e técnicas da Trilha Transcarioca para aquele trecho da Appalachian Trail brasileira.
Em São Paulo, é necessário resgatar com urgência o belíssimo projeto de 85 km da Trilha do Continuum, concebido por Anna Carolina Lobo em 2006, mas que até hoje não saiu do papel.
Por fim, também ao norte há quem defenda um Caminho da Mata Atlântica maior do que o proposto por Ernesto Castro e muito mais extenso do que o pensado por mim no livro “Trilha Transcarioca: Todos os Passos de Um Sonho”.


O Chefe do Parque Nacional do Caparaó, Anderson Nascimento, vislumbra que nossa Appalachian Trail chegue ao seu parque. Pediu ajuda ao Movimento Trilha Transcarioca para sinalizar as trilhas da unidade. Ainda em agosto, adotantes de trechos da TT, coordenados por Henrique Mendes, se deslocarão para lá para se juntar a voluntários locais nessa tarefa. Mas não fica por aí. Adriano Melo da Conservação Internacional, Fábio Faraco, Chefe do Parque Nacional do Pau Brasil e Geraldo Pereira, Chefe do Parque Nacional do Descobrimento, já estão pensando na “Rota do Descobrimento”, uma trilha de longo curso interligando as unidades de conservação do sul da Bahia. Quando estiver pronta, vai estar a um pulo de Caparaó…



Como esclarecido antes, contudo, faz muito tempo que a Appalachian Trail deixou de ser nossa única fonte de inspiração. Hoje, o objetivo não é apenas fazer uma trilha ao longo do litoral brasileiro. Queremos mais. Muito mais. A expectativa agora é costurar as diversas iniciativas existentes no Brasil para, a exemplo de outros países, estabelecermos nossa Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso.


Apoio institucional
“Sim queremos que nossas trilhas de longo curso sejam bonitas e muito prazerosas, mas elas também precisam gerar emprego e renda no entorno e, sobretudo, funcionar como ferramentas de conservação”.

Com esse objetivo, no primeiro semestre deste ano o ICMBio promoveu durante uma semana uma oficina de implementação e manejo de trilhas, cujo foco era exatamente esse. Entre os alunos (alguns com tanto saber acumulado que poderiam ser professores) estavam proponentes e realizadores de diferentes trilhas de longo curso. Havia analistas ambientais do ICMBio provenientes de todos os biomas nacionais, servidores do IEF de Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás e voluntários de todas as partes do Brasil.


Foram escolhidos a dedo para representar os quatro cantos do país e produzir uma discussão qualificada, em que as nossas trilhas de longo curso não sejam apenas equipamentos de recreação. Sim queremos que nossas trilhas de longo curso sejam bonitas e muito prazerosas, mas elas também precisam gerar emprego e renda no entorno e, sobretudo, funcionar como ferramentas de conservação. Nesse caso, precisam servir como corredores funcionais de fauna, impedindo a fragmentação total das unidades de conservação e permitindo o fluxo de espécies entre elas, como explanou o Diretor de Áreas Protegidas da pasta, Warwick Manfrinato, na palestra de encerramento da atividade de treinamento.


Com esse objetivo, o ICMBio integra o Comitê e o Grupo Técnico do Programa Conectividade de Paisagens- Corredores Ecológicos, criado pelo Ministério do Meio Ambiente em junho passado e secretariado por Manfrinato. No âmbito do ICMBio, o desafio da Coordenação-Geral de Uso Público e Negócios é, a exemplo da Trilha Inca, citada no documento que propõe a estratégia do Programa, e a Trilha Transcarioca, mencionada por Manfrinato em entrevista ao ((o))eco, propor, planejar, capacitar os parceiros, definir os traçados (com ajuda das APPs e Reservas Legais) e implementar trilhas de longo curso que funcionem como corredores entre áreas núcleo, que podem ser unidades de conservação das três esferas de governo, áreas quilombolas, terras indígenas e áreas militares, entre outras.


Como bem demonstram exemplos de outros países, projetos dessa envergadura dependem muito menos de dinheiro do que de significativa participação e apoio local, com governança compartilhada entre instituições e sociedade civil (organizada ou não) e forte sensação de pertencimento. Trilhas de longo curso tendem a dar certo quando são planejadas de baixo para cima, de maneira que os louros e o reconhecimento de seus sucessos não sejam exclusivos de uma pessoa ou de um seleto grupo que não tenha conexão com aqueles que manejaram e demarcaram o caminho com o custo do próprio suor. Em outras palavras, para nascer e vicejar, Trilhas de Longo Curso precisam ser paridas naturalmente pelas mãos de muitas parteiras e parteiros cujo corolário é: nada de cesáreas feitas em hospitais caros e pagas com cheques gordos. O melhor parto é o caseiro em que a barriga não é de aluguel e o parteiro é o pai da criança.



“Assim, o caminho tem sido identificar iniciativas de base local, capacitar com apoio de voluntários de outros lugares, que já aprenderam a fazer, a exemplo dos membros do Movimento Trilha Transcarioca, do Somos Todos Parque, do Grupo de Caminhadas de Brasília, do Programa Roteiros do Ambiente em Florianópolis, do Grupo de Travessias do Parque do Itajaí, dos Caminhos da Costa Verde, entre tantos outros, e apoiar a implementação”.

Assim, o caminho tem sido identificar iniciativas de base local, capacitar com apoio de voluntários de outros lugares, que já aprenderam a fazer, a exemplo dos membros do Movimento Trilha Transcarioca, do Somos Todos Parque, do Grupo de Caminhadas de Brasília, do Programa Roteiros do Ambiente em Florianópolis, do Grupo de Travessias do Parque do Itajaí, dos Caminhos da Costa Verde, entre tantos outros, e apoiar a implementação.


Os projetos que já contam com forte energia local, além da nossa Appalachian Trail, são:
(1) a Trilha Transespinhaço, que pode se interligar à Estrada Real, onde já iniciamos a capacitação e a troca de conhecimentos com alguns dos proponentes locais do projeto, a exemplo dos analistas do ICMBio Flávio Cerezo e Edward Elias, respectivamente Chefe e responsável pelo uso público do Parque Nacional do Cipó, Henri Collet, Plínio Oliveira e Marcos dos Santos, Diretor de Unidades de Conservação do IEF de Minas e chefes dos Parques Estaduais da Serra Nova e da Serra do Intendente, bem como diversos voluntários locais, a exemplo da Presidente da Federação Mineira de Montanhismo, Giselle Mello.



Nesse projeto, já há vários trechos implementados. Alguns por voluntários, como, por exemplo, a Travessia Diamantina x Mendanha, que é parte oficial da Estrada Real, a Travessia Lapinha x Tabuleiro e a Travessia Alto Palácio x Serra dos Alves, no Parque Nacional da Serra do Cipó. No Parque Nacional das Sempre Vivas, em articulação com o Conselho Consultivo da unidade, o analista ambiental Bruno Vinicius, está preparando a inauguração de outro trecho, com 55 km de extensão. Há diversas outras iniciativas locais que, se bem manejadas e sinalizadas, também podem integrar o projeto com grande ganho recreativo e ambiental.


(2) A Trilha Missão Cruls (nome provisório), que liga a Chapada dos Veadeiros a Goiás Velho, integrando o corredor Paraná Pireneus e passando por Brasília e Pirenópolis. Essa trilha começaria com a Travessia Sete Quedas, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que o ICMBio planeja levar até a cidade de Cavalcante.


Entre a Chapada e Brasília há várias opções, que atravessam a APA Estadual do Pouso Alto. Uma delas, denominada Brasil Central, está sendo mapeada por Orlando Barros que já desbravou mais de 240 km do seu traçado. Orlandinho, como é conhecido, mantém no facebook a página Brasil Ponto a Ponto, dedicada a inventariar trilhas de longo curso pelo Brasil. A última postagem dava conta de uma caminhada de 80 km na Chapada das Mesas, no Maranhão.



Outra opção para a Ligação Veadeiros x DF está sendo mapeada pelo líder do Grupo de Caminhadas de Brasília, entidade que mobilizou 60 voluntários e 1.600 horas de trabalho para implementar o circuito de Caminhadas da Flona de Brasília junto com o ICMBio. João Carlos Machado já palmilhou todo o trajeto entre o Parque da Chapada e a Cachoeira dos Couros, em um trajeto super bonito que tive a alegria de percorrer no início deste ano.


Depois, passaria pelo Distrito Federal, onde o ICMBio tem capacitado servidores do IBRAM e voluntários locais que já implementaram a Trilha dos Amigos e as Trilhas do Índio e do Professor, na APA do Planalto Central, e estão implementando os Caminhos da Flona na Floresta Nacional de Brasília. Nesta última unidade a trilha mais longa, com 36 km, já foi pensada para se conectar ao Parque Nacional de Brasília, pensando na criação futura de um grande corredor.





Trilha para todo lado
APA do Planalto Central. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.
APA do Planalto Central. Foto: Pedro da Cunha e Menezes.


Da Capital Federal para o sul, a Trilha Missão Cruls poderá juntar esforços com o belíssimo Caminho de Cora Coralina, executado pelo Governo de Goiás em parceria com o grupo da sociedade civil coordenado por Bismarque Villa Real.



Bismarque vai mais longe. Para ele a Trilha Missão Cruls, pode ir além e chegar a até a Bahia pela rota descrita por Luiz da Cunha e Menezes quando veio da Baía de Todos os Santos até Vila Boa, para assumir o Governo de Goiás, em 1778. Esse caminho poderia ter como áreas núcleo o Parque Estadual Terra Ronca, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, a Floresta Nacional Contendas do Sincorá e o Parque Nacional da Chapada Diamantina, entre outras possibilidades.


Essas três trilhas de longo curso estão pensadas para se interconectarem e, dessa forma, estimularem a criação de corredores de fauna entre a Mata Atlântica e o Cerrado.


Além delas, o projeto Travessias do ICMBio também está estimulando, em coordenação com as equipes locais e respectivos voluntários, a implementação de trilhas com pernoite em outras unidades do Brasil, como os Parques Nacionais dos Lençóis Maranhenses, do Pico da Neblina, da Restinga de Jurubatiba, do Viruá, da Chapada dos Guimarães, do Mapinguari e da Serra da Canastra, além da Floresta Nacional de Tapajós e da Reserva Extrativista Chico Mendes. Outro projeto, que está em estudo pelo Chefe do Parque Nacional do Iguaçu, ao abrigo do programa da Mata Atlântica do WWF, coordenado por Carol Lobo é o estabelecimento de uma trilha de longo curso entre as reservas naturais de Itaipu e os Parques Nacionais do Iguaçu e seu irmão argentino, Iguazú.
Como se vê, a cópia da ideia genial de Ben MacKaye já está assimilada em nossas terras, O novo não é pensar trilhas de longo curso, mas planejá-las como ferramenta de conservação, conectando as unidades e outras áreas núcleo e gerando emprego e renda no processo.


O ICMBio já entendeu isso. Bernardo Issa, Sonia Kinker e Thiago Beraldo foram os primeiros servidores a buscar capacitação no tema em universidades estrangeiras. Todos os servidores da Coordenação Geral de Uso Público e Negócios do ICMBio que trabalham com trilhas já fizeram cursos nos Estados Unidos. No segmento dos voluntários, a Trilha Transcarioca talvez por ter sido a primeira trilha de longo curso com mais de 100 km implementada no Brasil, também já está dando esse passo. A capacitação se dá sobretudo por meio de viagens onde é feito o estudo de campo. Por iniciativa da Conservação Internacional, foi realizada uma viagem de intercâmbio à Rota Vicentina em que participaram Adriano Melo, Eduardo Cabral e César de Castro. Ivan Amaral e eu mesmo fomos à Rota em ocasiões anteriores.


Hoje o MTT mantém um acordo de cooperação com essa trilha de longo curso portuguesa. O coordenador-geral do MTT, Horácio Ragucci, visitou a Huella Andina; Eduardo Cabral, Ivan Amaral e eu fomos a Torres del Paine e visitamos o Sendero de Chile; Eduardo Cabral, Alexandre Pedroso, Ernesto Castro, Patrícia Figueiredo, Celso Junius e Claudia Magnanini estiveram na Hoerikwaggo Trail; Adilson Peçanha visitou experiências norueguesas e Beto Mesquita caminhou nos Senderos de Bogotá, com cuja entidade mantenedora voluntária, Amigos de la Montaña, estabeleceu um intercâmbio. Por fim, eu mesmo estive na Bruce Trail, no Canadá, com a qual o MTT assinou um convênio de irmanação e a convite de quem a Trilha Transcarioca tornou-se a primeira trilha brasileira a se filiar ao World Trails Network.
Sendero de Chile. Foto: Divulgação.
Sendero de Chile. Foto: Divulgação.


Mesmo no Brasil tem havido um esforço do MTT para entender o aumento das caminhadas peregrinas e se há como integrar essas atividades com a estratégia de implementação de conectores de paisagens. Nesse contexto, Ivan Amaral e Jeremias Freitas estiveram nas peregrinações de Passos de Anchieta, no Espírito Santo, Richard Smith percorreu a Estrada Real e Anderson Ribeiro manteve contatos com o Caminho de Assis.


No campo acadêmico, sob inspiração do Professor da Faculdade de Geologia da UFRJ Cainho Scioane, os estudantes Jhone Araújo e Tomás Arona respectivamente dedicaram sua tese e dissertação à Trilha Transcarioca e seu papel na conservação.


Agora, com a iniciativa dos conectores de paisagem capitaneada pela Diretoria de Áreas Protegidas do MMA, é chegada a hora do Brasil trabalhar para que, mais que nossa própria Appalachian Trail, tenhamos nosso próprio sistema nacional de trilhas. Como elencado antes, Sociedade Civil e Chefias de Unidades de Conservação das três esferas de Governo já estão se articulando para começar a tirar nossas trilhas de longo curso do papel. O quadro legal também já existe, em norma do próprio SNUC: corredores ecológicos. Falta apenas o reconhecimento legal do Ministério do Meio Ambiente, a exemplo do que o Município do Rio fez em relação à Trilha Transcarioca, com a devida posterior regulamentação que discipline a governança de cada uma dessas trilhas/corredores e que crie os respectivos mecanismos de aplicação de recursos para viabilizá-las.


Para ajudar nesse processo, no dia 1o de agosto passado, quatro profissionais de diferentes áreas  afetas à gestão ambiental das três esferas de governo e sociedade civil organizada (Federal (ICMBio), Fiscalização Ambiental (Policiamento Ambiental da PMERJ), Reflorestamento (Coordenadoria de Recuperação Ambiental da Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente da Prefeitura do Rio de Janeiro) e Imprensa especializada (oeco.org.br), todos eles também voluntários da Trilha Transcarioca com larga experiência acumulada em seu planejamento, implementação, manutenção e governança, se deslocaram por iniciativa própria e com os custos pagos dos próprios bolsos aos Estados Unidos, para uma viagem de estudos de 26 dias.
Durante o período, além de participarem de uma experiência vivencial, caminhando 11 dias na Pacific Crest Trail e dois dias na Tahoe Rim Trail, terão conversas, assistirão palestras e frequentarão oficinas sobre o National Trails System dos Estados Unidos, com foco na Pacific Crest Trail, na Tahoe Rim Trail, na John Muir Trail e na California Coastal Trail.
John Muir Trail. Foto: Wikipédia.
John Muir Trail. Foto: Wikipédia.


Os temas a serem estudados incluem conversas, palestras e oficinas com U.S. Forest Service, o U.S. Parks Service, o Serviço de Parques Estaduais da Califórnia e as associações de voluntários das trilhas visitadas sobre temas como governança institucional, governança dos voluntários, conflitos de usuários (bicicleta, cavalos, caminhadas), segurança, gestão de acampamentos, lixo e saneamento, geração de emprego e renda, impactos sobre a biodiversidade (negativos e positivos), planejamento, implementação e manejo das trilhas em terras privadas, efetividade das trilhas de longo curso como corredores de fauna entre outros.


O objetivo é que cada vez tenhamos mais brasileiros capacitados a implementar Trilhas de Longo Curso no Brasil planejadas como ferramentas de conservação.
A ideia é fazer uma viagem dessas por ano. Em 2018 tem mais!

Leia Também