segunda-feira, 15 de abril de 2024

Incêndios em áreas de floretas maduras cresceram 152% na Amazônia em 2023, aponta estudo

 


Incêndios em áreas de floretas maduras cresceram 152% na Amazônia em 2023, aponta estudo

Análise de imagens de satélite mostram que o aumento vai na contramão das quedas do desmatamento. Ibama/Prevfogo diz que atua em conjunto com outras instituições em ações de prevenção e combate

LUCIANA CONSTANTINO · 

11 de abril de 2024

Incêndio registrado em Boca do Acre no ano de 2023. Foto: Débora Dutra/Cemaden




Parte inferior do formulário

Mesmo com a redução do desmatamento na Amazônia em 2023, o bioma vem enfrentando outro desafio: os incêndios em áreas de vegetação nativa ainda não afetadas pelo desmatamento. Estudo publicado na revista científica Global Change Biology alerta que os incêndios em áreas das chamadas “florestas maduras” cresceram 152% no ano passado em comparação a 2022, enquanto houve uma queda de 16% no total de focos no bioma e redução de 22% no desmatamento.

Ao destrinchar as imagens de satélite, os pesquisadores detectaram que os focos em áreas florestais subiram de 13.477 para 34.012 no período. A principal causa são as secas na Amazônia, cada vez mais frequentes e intensas. Além dos eventos prolongados registrados em 2010 e 2015-2016, que deixam a floresta mais inflamável e provocam a fragmentação da vegetação, o bioma passa por uma nova estiagem no biênio 2023-2024, o que agrava ainda mais a situação.

 

Tanto que o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aponta que o total de focos de calor no primeiro trimestre de 2024 em toda a Amazônia foi o maior dos últimos oito anos – 7.861 registros entre janeiro e março, representando mais de 50% das notificações no país (o Cerrado vem em seguida, com 25%). O mais alto número até então havia sido no primeiro trimestre de 2016 – 8.240 para o total do bioma.

“É importante entender onde os incêndios estão ocorrendo porque cada uma dessas áreas afetadas demanda uma resposta diferente. Quando analisamos os dados, vimos que as florestas maduras queimaram mais do que nos anos anteriores. Isso é particularmente preocupante não só pela perda de vegetação e desmatamento na sequência, mas também pela emissão do carbono estocado”, afirma o especialista em sensoriamento remoto e autor correspondente do artigo Guilherme Augusto Verola Mataveli, da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe.

Mataveli está atualmente no Tyndall Centre for Climate Change Research, no Reino Unido, onde desenvolve parte de seu pós-doutorado sobre emissão de gases de efeito estufa por queimadas com o apoio da FAPESP (projetos 19/25701-8 e 23/03206-0), que também financia o trabalho por meio de outros quatro projetos (20/15230-520/08916-821/04019-4 e 21/07382-2).

No ano passado, alguns pesquisadores do grupo publicaram outro trabalho já mostrando o aumento de incêndios em uma fronteira emergente de desmatamento no sudoeste do Amazonas, na região de Boca do Acre, entre 2003 e 2019 (leia mais em: agencia.fapesp.br/40757).

“Além da gravidade dos incêndios em áreas de florestas maduras atingirem, por exemplo, árvores mais antigas, com maior potencial de estoque de carbono, contribuindo para o aumento do impacto das mudanças climáticas, há o prejuízo para as populações locais. Manaus é um desses casos, que foi a segunda cidade com a pior qualidade do ar no mundo em outubro do ano passado”, completa Mataveli.

Outros Estados registraram situação semelhante, incluindo o Pará, onde a contagem de focos de calor em florestas maduras em 2023 foi de 13.804 – contra 4.217 em 2022.

Neste ano de 2024, uma das piores situações está em Roraima, que concentra mais da metade dos registros do bioma. Com a quinta maior população indígena do país – 97.320 pessoas –, o Estado viu 14 dos seus 15 municípios decretarem emergência em março por causa do fogo. A fumaça levou à suspensão de aulas e a seca severa tem afetado comunidades indígenas, deixando-as sem acesso a alimentos e expostas a doenças respiratórias, entre outros impactos.

O Ibama/Prevfogo diz que tem atuado, desde novembro do ano passado, em conjunto com outras instituições nas ações de prevenção e no combate aos incêndios, atualmente concentrados em diferentes regiões de Roraima. Segundo o órgão, desde janeiro, são mais de 300 combatentes, além de quatro aeronaves que dão apoio ao trabalho.

“As mudanças climáticas são apontadas como um fator crítico para o aumento de episódios de incêndios, tendo o El Niño como fator agregador de risco devido à sua relação com a estiagem prolongada na região. Ressaltamos a importância da atuação dos órgãos ambientais estaduais e municipais no combate aos incêndios, em colaboração com os entes federais. Essa parceria é fundamental para permitir uma ação mais estratégica e eficaz na prevenção e no combate aos incêndios florestais”, informa o Ibama/Prevfogo em resposta à Agência FAPESP.

Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) reforçou em nota os pontos destacados pelo Ibama.

Resiliência

A mortalidade de árvores induzida pelo fogo em áreas de floresta excede frequentemente 50% da biomassa acima do solo, ou seja, os incêndios têm potencial para reduzir significativamente os estoques de carbono principalmente no longo prazo.

Neste ano, esse efeito já foi sentido. Em fevereiro, as emissões por queimadas no Brasil bateram recorde, atingindo o mais alto índice em 20 anos – 4,1 megatoneladas (cada megatonelada equivale a 1 milhão de toneladas) de carbono, alavancadas por Roraima, segundo o observatório climático e atmosférico europeu Copernicus.

Além disso, a resiliência da floresta fica comprometida, afetando, entre outros, sua capacidade de criar um microclima úmido abaixo do dossel das árvores para conter e reciclar a umidade dentro do ecossistema.

Outro ponto destacado pelos pesquisadores é que a crescente inflamabilidade da floresta torna-se um desafio para os agricultores tradicionais – eles normalmente usam o fogo controlado como forma de manejo de áreas de subsistência. Isso demanda incentivo a cadeias de produção para que sejam livres dessa prática.

Líder do grupo e coautor do artigo, o pesquisador Luiz Aragão ressalta que, “à medida que o tempo passa sem soluções efetivas para o problema do fogo na região amazônica, o bioma se torna mais vulnerável, com impactos ambientais, sociais e econômicos”. Aragão explica que, mesmo reduzindo as taxas de desmatamento, a área impactada por esse processo continua crescendo.

“Já havíamos previsto isso em 2010 em uma publicação de nosso grupo no periódico Science. Tanto as áreas já desmatadas quanto aquelas em processo de remoção da floresta constituem fontes ativas de ignição do fogo pelo homem. Como o desmatamento fragmenta a paisagem, criando mais bordas entre as florestas e as áreas abertas, as florestas maduras ficam mais permeáveis ao fogo. Somando as secas extremas, como a atual, à configuração da paisagem fragmentada, o uso contínuo do fogo na região e a presença de áreas florestais mais degradadas, por incêndios passados, extração ilegal de madeira e efeito de borda, espera-se uma floresta cada vez mais inflamável. Medidas urgentes são necessárias para mitigar os incêndios e manter a Amazônia como o maior bem do país para alcançar o desenvolvimento nacional sustentável”, avalia Aragão.

O grupo sugere ainda o aumento de operações de comando e controle e a expansão de brigadas de incêndio, além do desenvolvimento constante de sistemas de monitoramento. “Com o uso de inteligência artificial, podemos tentar desenvolver sistemas que, além de mostrar onde ocorreram os incêndios, façam uma predição dos locais com mais propensão de ocorrer e assim ter áreas mais específicas como foco de prevenção”, complementa Mataveli.

O artigo Deforestation falls but rise of wildfires continues degrading Brazilian Amazon forests pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.17202.

 

Enquanto JBS é denunciada e processada no exterior, Lula faz visita à fábrica da empresa

 CONEXAO PLANETA




https://conexaoplaneta.com.br/blog/enquanto-jbs-e-denunciada-e-processada-no-exterior-lula-faz-visita-a-fabrica-da-empresa/


Nesta sexta-feira, na agenda oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está programada uma visita a uma fábrica da JBS em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. O evento marca o primeiro embarque de carne para a China “a partir de plantas recém-habilitadas para exportar ao país asiático”, informou em nota o Palácio do Planalto. Ainda segundo o comunicado, a planta é uma das 38 habilitadas pela China em 12 de março.

A multinacional brasileira JBS, maior produtora de carne do mundo, foi fundada pelo empresário José Batista Sobrinho e é comandada por seus filhos, os irmãos Joesley e Wesley Batista. Os dois estão envolvidos em uma série de escândalos, já foram investigados e o primeiro deles preso em duas ocasiões. A companhia fez um acordo de leniência com a justiça por práticas ilegais que ultrapassou o valor de 10 bilhões de reais.

Não bastasse esse histórico, a JBS sofre com denúncias e processos em outros países por sua suposta associação com o desmatamento no Cerrado. Entre sua rede de fornecedores estão empresas que destroem o bioma para expandir o cultivo da soja e da pecuária.

Em março deste ano, o Estado de Nova York entrou com uma ação contra a JBS. No processo, a Procuradora-Geral Letitia James acusa a multinacional de “alegações enganosas” sobre suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa em campanhas divulgadas nos Estados Unidos com o único intuito de aumentar suas vendas e com isso, enganar consumidores preocupados com a questão ambiental.

Segundo a ação, movida contra a subsidiária da JBS nos EUA, a empresa se comprometeu a zerar suas emissões de carbono até 2040, “apesar de não apresentar um plano viável para tal”.

“Quando as empresas anunciam falsamente o seu compromisso com a sustentabilidade enganam os consumidores e põem o nosso planeta em perigo. O greenwashing da JBS USA explora os bolsos dos americanos comuns e a promessa de um planeta saudável para as gerações futuras”, afirma a procuradora de NY.

Já em 2023, a JBS apareceu como líder no ranking global “Vilões da Pecuária”, elaborado pela organização Proteção Animal Mundial, que apontava as empresas com o maior volume de emissões no planeta.

E mesmo assim, Lula decide visitar a fábrica do Mato Grosso do Sul. Sabe-se que é um agrado ao agronegócio, com quem o presidente vem tentando estreitar laços nos últimos meses. Para tal também tem promovido churrascos nas sextas-feiras com representantes do setor – os mesmos que com seu poder de lobby no Congresso Nacional conseguem aprovar projetos como aquele que acaba com a proteção a campos naturais no Brasil ou então, que garantem sua exclusão do PL que regulamenta o mercado de carbono.

Lula sabe que depende do agronegócio para governar. O setor representa quase 24% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e teve um salto de 15,8 em 2023.

Mas associar o governo com a JBS é uma péssima jogada. No ano passado, os Batista fizeram parte da comitiva do Brasil que visitou a China, o que já gerou diversas críticas.

Dificilmente Lula conseguirá cumprir a promessa de “desmatamento zero até 2030” se o ritmo do desmatamento no Cerrado continuar como o atual. Enquanto a devastação na Amazônia parece retroceder, no segundo maior bioma do Brasil a destruição segue a passos largos – perdeu 7.852km² de vegetação nativa em 2023, um aumento de 43,73% em comparação ao ano anterior (leia mais aqui).

Por último, os “churrasquinhos” com os empresários do agro são ainda uma mensagem completamente desconectada daquela que o governo usa em seus discursos quando fala em conservação do meio ambiente e combate às mudanças climáticas.

Há muito tempo especialistas do clima insistem que precisamos, como humanidade, reduzir o consumo de carne com urgência. A criação de gado é apontada como uma das grandes vilãs do aquecimento global. Em seu processo de digestão, vacas, bois, ovelhas e outros animais produzem o gás metano. E consequentemente, o liberam no ar. Assim como o dióxido de carbono, o metano é um gás de efeito estufa e contribui para o aumento da temperatura superfície da Terra. Mas ele é 30% mais potente que o CO2.

——————————

Agora, o Conexão Planeta também tem um canal no WhatsApp. Acesse este link, inscreva-se, ative o sininho e receba as novidades direto no celular.

Leia também:
Txaí Suruí e Mundano pedem que maior rede de supermercados britânica pare de comprar da JBS
Vídeo mostra porcos sufocados e agonizando com gás carbônico em abatedouro da JBS na Inglaterra
Emissões de metano da JBS ultrapassam as dos rebanhos de França, Alemanha, Canadá e Nova Zelândia juntos
Milhares de britânicos assinam petição pelo boicote da carne da JBS, associada ao desmatamento na Amazônia


Vovós suíças ganham ação contra inação de país diante da crise climática no Tribunal Europeu

 CONEXAO PLANETA






Políticas climáticas governamentais fracas violam os direitos humanos fundamentais”, declarou nesta terça-feira (09/04) o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), ao condenar o governo da Suíça por inação diante das mudanças climáticas e sendo assim, colocando em risco seus cidadãos.

A ação foi movida por 2.400 mulheres, todas com mais de 65 anos, que fazem parte do grupo KlimaSeniorinnen (Senior Women for Climate Protectionem alemão). Elas alegaram que a Suíça não fez o suficiente para garantir que o país contribua para reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera e assim, prevenir os efeitos do aquecimento global.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as pessoas mais velhas estão entre as mais afetadas pelos extremos do clima. Temperaturas muito altas contribuem diretamente para a morte causada por desidratação e problemas cardiovasculares e respiratórios, principalmente nos idosos.

O grupo acusou Doris Leuthard, ministra do Meio Ambiente, e o governo suíço de ignorarem as metas climáticas da constituição do país e ainda, de violarem os direitos humanos.

Essa foi a primeira vez que a corte europeia condenou um país por questões ambientais. Agora a Suíça terá que cumprir uma série de medidas, que o governo afirmou que serão acatadas.

O KlimaSeniorinnen já tinha entrado com uma ação antes na corte de justiça de Berna, capital do país (leia mais aqui).

Apesar da boa notícia vinda do Tribunal Europeu, outras dois pleitos associados com o meio ambiente foram rejeitados pela corte, entre elas uma de jovens portugueses contra 32 países da Europa.

—————————————–

Agora, o Conexão Planeta também tem um canal no WhatsApp. Acesse este link, inscreva-se, ative o sininho e receba as novidades direto no celular

Leia tam

Foto de abertura: Shervine Nafissi

Enfraquecer licenciamento ambiental no Brasil ameaça a fauna mundial

 

CONEXÃO PLANETA


Ocupando metade da América do Sul e entre as dez maiores economias mundiais, o Brasil é também um líder em vida silvestreMais de 116 mil espécies animais, além de 46 mil diferentes plantas, foram listadas no país, sem contar a variedade de fungos, bactérias e outros seres. Uma riqueza distribuída em terra, rios e Atlântico.

patrimônio natural brasileiro inclui espécies em risco de extinção, exclusivas do país, que cruzam fronteiras ou percorrem distâncias planetárias para descansar, comer e reproduzir. A lista tem peixes, mamíferos, insetos e outros animais. Estudo publicado em revista do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo mostra que 10,3% das espécies de aves registradas no Brasil são migratórias

Uma delas é o maçarico-acanelado (Calidris subruficollis), que voa até 40 mil km indo e vindo dos extremos das Américas, distância similar à circunferência da Terra. Suas jornadas são dificultadas por impactos como a destruição de florestas e outras formações naturais, geração e distribuição de eletricidadepoluição, uso de agrotóxicos e urbanização

“É um problema internacional”, resume Sérgio Morato sobre a conservação de animais silvestres no Brasil, que ajudam a manter a saúde dos ambientes naturais, controlam pragas que atacam lavouras e transmitem doenças, polinizam plantas comerciais, domésticas e silvestres, entre outras funções ecológicas. Morato é biólogo, doutor em Zoologia pela Universidade Federal do Paraná, professor na mesma instituição e na Pontifícia Universidade Católica do estado sulista.

Diante desse cenário, proteger ambientes naturais e espécies animais e vegetais nativas no Brasil pode se tornar um desafio ainda maior pelo severo enfraquecimento do licenciamento de obras e atividades econômicas no país caso sejam aprovados projetos tramitando no Congresso Nacional, descrevem fontes ouvidas por esta reportagem. 

“Isso ampliará o sofrimento de animais brasileiros e de muitos outros países”, ressalta Rodrigo Gerhardtgerente da Campanha de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial Brasil, braço nacional da World Animal Protection (WAP). No país, a entidade tenta barrar retrocessos no licenciamento junto a mais de 40 ongs na campanha #PLdaDevastação.

Imagem aérea da Fazenda Santo Antônio na BR-020
entre Luis Eduardo Magalhães (BA) e a divisa com Goiás.
Fotos: Fernando Martinho/Repórter Brasil

Se aprovado como está, o texto permite renovar e emitir licenças automaticamente e online, isenta a agropecuária e variados empreendimentos de autorizações, enforca prazos para estudar impactos, anistia multas e crimes ambientais e desprotege áreas indígenas e quilombolas, mostra uma análise das ONGs Observatório do Clima (OC) e Instituto Socioambiental (ISA).

“Os projetos implodem com quase 40 anos de legislação e aprendizado em licenciamento no Brasil”, protesta a advogada Suely Araújo, doutora em Ciência Política e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, coletivo de entidades civis focado na informação e enfrentamento da crise climática global. 

Afinal, rebaixar as regras do licenciamento para atividades rurais trará sobretudo maior desmatamento e fragmentação da vegetação natural, todas grandes fontes mundiais de perda de espécies. Além disso, as regras federais são uma base para as normativas estaduais e municipais, cujos governos hoje autorizam licenças de menor impacto.

“As propostas subvalorizam ‘condicionantes indiretas’. O problema não é o desmatamento no leito da BR319, é o desmate regional gerado pela obra”, explica Suely Araújo, também ex-consultora legal da Câmara dos Deputados e ex-presidente do Ibama, agência responsável pelo licenciamento federal e ligada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Um exemplo dos impactos pela fragilização do licenciamento vem da BR319, rodovia entre as capitais amazônicas Manaus e Porto Velho, dos estados de Rondônia e Amazonas. O asfaltamento de grande parte de seus quase 900 km estimulará mais ramificações, as chamadas “espinhas de peixe”, que já somam 5 mil km adentrando a floresta equatorial, ou cinco vezes a extensão da via principal. 

“A fragmentação de habitats reduz as áreas de alimentação e abrigo para os animais, expondo-os a situações de maior vulnerabilidade”, alerta Rodrigo Gerhardt, da Proteção Animal Mundial Brasil. Mas, as pessoas também sofrerão com o desmate que virá pela precarização do licenciamento. 

Um estudo publicado no portal Scientific Reports (Nature), por pesquisadores de instituições brasileira e espanhola, associa a explosão da dengue no Brasil às mudanças climáticas e ao desmatamento. No início de março, mais de 1 milhão de casos foram registrados no país.

Ameaças por todos os lados 

Mas os danos à vida silvestre pelo enfraquecimento do licenciamento ambiental federal podem ser ainda maiores. “Há vários impactos diretos e indiretos dos empreendimentos agropecuários facilitando a perda de vida silvestre em uma escala absurda. A sobrevivência animal deve focar em ameaças conjuntas e sistêmicas”, enfatiza Gerhardt. 

Pois, não faltam exemplos desses impactos e efeitos cumulativos, mesmo que proteger espécies silvestres seja amparado na Constituição e leis brasileiras, que proíbem práticas que coloquem em risco as funções ecológicas de animais e plantas, que as extingam ou as submetam animais à crueldade.

Diariamente, animais silvestres têm sido atropelados, envenenados, afogados, queimados e até abatidos a tiros pelos conflitos com os animais de criação, como revelam diversos estudos.

Na Universidade Federal de Lavras, no estado de Minas Gerais, o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) estima que 17 animais são atropelados por segundo em rodovias brasileiras. Isso soma perdas anuais de quase meio bilhão de espécimes silvestres. Um projeto para começar a reduzir a chacina tramita desde 2015 na Câmara dos Deputados.

Zogue-Zogue-de-Mato Grosso, primata criticamente ameaçado de extinção,
em fragmento florestal cercado por soja em Sinop-MT.  
Foto: Noelly Castro/Proteção Animal Mundial   

uso massivo de agrotóxicos pelo agronegócio brasileiro, englobando químicos proibidos em outros países, deixa marcas na vida selvagem. Além de encolher os números de polinizadores de plantas silvestres e lavouras, como as abelhas, de peixes a grandes mamíferos igualmente são envenenados. 

Um artigo na revista Environmental Advances mostra que a poluição do Rio Araguaia ultrapassa o aceitável na União Europeia. Azar de espécies como o Inia araguaiensis, um boto cinzento exclusivo do manancial, que corre do Cerrado no estado de Goiás até desaguar no Rio Tocantins, na Amazônia.

As corpulentas antas (Tapirus terrestris) enfrentam crise similar no estado do Mato Grosso do Sul, onde a espécie é duramente afetada e até morta por agrotóxicos aplicados em fazendas, mostra estudo publicado no periódico Wildlife Research por cientistas brasileiros e internacionais.

Mas a dívida do agronegócio com a vida animal pode ser ainda maior, mesmo que exterminar animais e plantas nativos seja um tiro no pé, pois compromete a produção de alimentos e o desempenho geral do setor, como alertou a FAO, sigla em Inglês da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação.

Uma pesquisa replicada na plataforma Biorxiv, de cientistas do Laboratório de Ciência Aplicada à Conservação da Biodiversidade da Universidade Federal de Pernambuco, estado do Nordeste brasileiro, aponta que o agronegócio afeta duas em cada três espécies de vertebrados ameaçadas de extinção no Brasil.

O licenciamento precário da produção rural igualmente mata animais por afogamento. Reportagem do portal ((o))eco, de setembro passado, mostra que o lobo-guará e outros animais silvestres estão perdendo a vida em canais de irrigação no interior do estado nordestino da Bahia. 

A agropecuária também atiçou incêndios que devastaram o Pantanal nos últimos anos. O bioma é o mais íntegro do Brasil, com 85% do verde natural. Investigações federais concluíram que queimadas para limpar ou renovar pastagens em fazendas fugiram do controle e contribuíram para matar 17 milhões de animais, em 2020.

O balanço foi veiculado na revista Scientific Reports por três dezenas de cientistas.

Distorções históricas

licenciamento de obras de infraestrutura, energia, mineração e outras atividades econômicas é previsto desde os anos 1980 na Constituição e legislação federais e em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), onde governos, empresariado e ambientalistas detalham a execução de políticas ambientais. 

Simultaneamente, há projetos para alterar esses processos desde 1988, quando foi promulgada a nova Constituição Federal. Já o texto tramitando no Senado com ameaças à vida silvestre veio da Câmara dos Deputados. A proposta foi assinada em 2004 por três ex-parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT), sigla do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“É o mesmo processo legislativo há muitos anos. De início era uma proposta do setor ambiental para uma lei geral do licenciamento brasileiro, que ainda não existe, mas os textos foram piorando ao longo do tempo. O aprovado na Câmara em 2021 é o pior da história”, avalia Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.

No Senado, o projeto legislativo é avaliado nas comissões de Agricultura e de Meio Ambiente. Nessa última, o relator do tema é o senador Confúcio Moura (MDB/RO), partido parcialmente da base governista. O parlamentar não atendeu aos pedidos de entrevista até a publicação desta reportagem. A expectativa dos congressistas é de que o projeto seja aprovado este ano.

Com 374 deputados e senadores, a Bancada Ruralista representa no Congresso os interesses de boa parte do agronegócio brasileiro. O grupo e apoiadores fora do Parlamento afirmam que mudar o licenciamento criará condições para “o uso sustentável dos recursos naturais” e promoverá “segurança jurídica” e “transparência” a órgãos ambientais, sociedade e empreendedores para aprovar projetos e proteger o meio ambiente.

A avaliação está na pauta deste ano da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Contudo, as entidades contrárias ao derretimento das licenças ambientais vislumbram outro cenário. “A proposta para o licenciamento fere a Constituição e provocará ações judiciais e no Supremo Tribunal Federal se for aprovada no Congresso”, avalia Rodrigo Gerhardt, da WPA Brasil. “Isso, pelo contrário, aumentará a insegurança jurídica no campo”, afirma.

A doutora em Políticas Públicas, Suely Araújo, calcula efeitos similares à agropecuária brasileira. “A judicialização é o caminho esperado se o projeto for aprovado como está. As flexibilizações propostas não têm parâmetro, mesmo que isso não dispense aperfeiçoamentos ao licenciamento”, destaca.

Reforçar é preciso

Nesse sentido, alinhar e reforçar o licenciamento ambiental para conter danos à vida animal e vegetal, ao clima, às economias e populações será positivo para o Brasil e demais países. 

Conforme o doutor em Zoologia, professor e consultor Sérgio Morato, clarear diretrizes para licenças setoriais levariam a melhores estudos e medidas para reduzir impactos ambientais. “Não basta citar nas avaliações de obras quais espécies serão afetadas. Falta mais informação sobre como reduzir efetivamente os prejuízos à biodiversidade”, conta.

Para o especialista, essas falhas começam nas universidades, especializações, capacitações e pós-graduações e alcançam os órgãos públicos, setores privado e não-governamental. “Ainda não preparamos profissionais para planejar e analisar de forma sistêmica”, ressalta.

De acordo com Morato, as licenças devem ser aperfeiçoadas para que o Brasil cumpra metas de clima, economia verde, proteção da vida silvestre e desenvolvimento sustentável. “Fragilizar a legislação aumenta os riscos físicos, socioambientais, comerciais, legais e de reputação do país”, alerta. 

Incêndios ilegais queimam árvores florestais na floresta amazônica: vista aérea de área de desmatamento para pastagem, pecuária e agricultura de soja
Foto: Paralaxis/Shutterstcok

Prejuízos pela precarização do licenciamento são ainda mais explícitos pela paralisação de agências federais. Desde 1º de janeiro, a greve por melhores salários de servidores do Ibama emperrou obras, projetos de petróleo e energia, exportações e importações. Em portos e fronteiras, mais de 30 mil veículos estão parados sem liberação ambiental.


Leia mais:

https://conexaoplaneta.com.br/blog/enfraquecer-licenciamento-ambiental-no-brasil-ameaca-a-fauna-mundial/